quarta-feira, julho 19, 2006

Veneno

"Voltou a cabeça, deu um passo para o lado. As pessoas rodeavam-no a distância prudente. A luz das tochas iluminava o seu corpo disforme todo encurvado e as escamas de negro mate da serpente. Sentia-se fraco a ponto de não poder mais. Sabia-se fraco a ponto de não poder mais. Sabia que já não obteria a ajuda de ninguém. E no mesmo segundo, depois de ter lançado com toda a força dos pulmões um grito estridente e longo, abriu a mão esquerda e largou o pescoço da serpente, suspirou e baixou a cabeça em sinal de derrota.

A cabeça da serpente tombou, todo o seu corpo se abateu: estava morta. Ninguém sabia desde quando. Quando se entreajudaram para soltar os anéis e desprender a criança, isso fez-se facilmente. Toda a gente estava horrorizada e siderada pelo tamanho colossal da serpente, e os comentários sucediam-se. Mas a criança estropiada não se interessava por ninguém nem por nada. Os seus olhos não brilhavam. Por vezes sorria. Por vezes desatava a rir. Por vezes chorava. Por vezes resmungava para si própria coisas incompreensíveis. Perdera totalmente a razão a partir do momento em que decidira aceitar a derrota."

Veneno é uma pequena história sobre a luta de um rapazinho tai, sonhador, marionestista e guardador de vacas, com uma cobra gigante.”


Resolvi colocar este pequeno excerto, do final do livro, uma vez que acredito que só neste momento que percebes o que autor quer transmitir.

Lutem por tudo o que vocês queiram, mesmo que acreditem que estão sem forças e sem ninguém por perto.

1 comentário:

Carminho disse...

Acabo de ler este excerto e logo me ocorre que a força interior consegue por vezes ultrapassar as nossas próprias limitações físicas.

Como então se poderia entender que uma pequena criança lutasse pela vida face a um ser gigantesco e com uma força brutal? Essa serepente poderá simbolizar a enormidade de problemas com os quais o ser humano é confrontado na vida. Apesar de todas as improbabilidades, de todas as limitações, apenas temos que acreditar que conseguiremos enfrentar esses mesmos problemas, adversidades (o que seja)com a nossa força interior e, por vezes, com a força física...

Mas enquanto lutarmos estaremos vivos, nem que seja a luz da esperança, a luz da não-desistência a única que não se extingue, quando tudo o mais se apagar.

Sim, temos que lutar pela concretização dos nossos sonhos, só a nossa determinação e esforço nos fará alcançar aquilo que queremos. Ainda que eu acredite que esta luta deva ser sempre com respeito pelos demais e que, por vezes, há sonhos que nunca conseguiremos concretizar, porque as derrotas fazem parte da vida. E é na arte de superar essas mesmas derrotas que reside a sabedoria, a maturidade, o crescimento pessoal e humano.

Lutemos sim, mas desejemos que nessa luta haja sempre alguém a dar-nos a mão, a lutar connosco, porque só assim conseguimos a maior força do mundo! E se, por ventura, os nossos esforços não vingarem, desejemos que pelo menos, nos continuemos a ter uns aos outros...