terça-feira, julho 29, 2008

Indignação

Massagens proibidas nas praias algarvias

O comando marítimo do sul decidiu proibir as massagens nas praias algarvias. A justificação para esta proibição está relacionada com o receio de eventuais fins mais quentes de massagens que até podem começar inocentes.

Ora onde já se viu isto? Isto é um ultraje, um retrocesso nos tempos! Cá para mim, o comando marítimo anda a ver muitos episódios do ''Conta-me como foi'' e agora está convencido que estamos no tempo da ditadura.
A dar cabo assim da carreira de milhares de massagistas credenciados e diplomados que durante todo o ano esperam ansiosamente pelo verão para aí fazerem uns trocos valentes e ... agora isto!
E que dizer dos pobres veraneantes que, à falta de uma espreguiçadeira, se vêem forçados a estender o corpo na terrífica areia que, por mais que se teime em alisar, persiste em se contorcer tal qual um colchão já todo mal amanhado e, assim, contribuir para lombalgias e para até dolorosos torcicolos!?
Hã, que vai acontecer a esta gente, coitadinhos? Hã, quem lhe vai tratar da saúde?
E a Ministra não se pronuncia? Abaixo a lombalgia!
É um descrédito total para com esses profissionais, esses talentosos homens e talentosas mulheres que, munidos do seu óleo Jonhson para bebé esturricado pelo sol (a temperatura quente ameniza a dor muscular), se mobilizam debaixo de tórridas temperaturas e assim oferecem, a troco de uns parcos euros, o poder curativo das suas mãos abençoadas ...
Gente pós-graduada, valha-me Deus! Especialistas nas mais diversas áreas corporais!
Gente trabalhadora, que só quer passar as suas mãos pelo corpo dos outros para fazer o bem!
E gente que só quer que os deixem deixar que estes profissionais lhes façam o serviço como deve de ser!

Mas não! Tinham de vir os senhores do comando marítimo! Ah e tal, massagens na praia não! Ah que as temperaturas começam a aquecer?! Pois concerteza que sim, que a fricção assim o obriga, mas isso faz parte da terapêutica valha-me Deus! Eles não saberão que o calor alivia a dor!?
Enfim ... A par da minha indignação só fica a minha questão: mas por que diabo é que foi comando marítimo a proibir as massagens, uma vez estas são são actividades que se passam em terra? Como é que eles sabem destas coisas?
Não deveria ser um comando terrestre (ou comando arenoso) a tomar esse tipo de decisões?

Será que se trata de um perigoso jogo de espionagem veraneante? Será que somos todos espionados do alto mar, em lunetas gigantes? Será? Será?
Oh meu deus, será que conseguem ver as nossas depilações feitas à pressa e trapalhonas?
Será?
Será que conseguem ver as mãos marotas do rapaz de 16 anos que passa o creme no corpinho da menina de 15?!
Só pode ser, se não for isso, como raio é que os homens lá em alto mar, rodeados de peixe, conseguem medir as temperaturas aos massagistas e massajados?
Será que os verdadeiros inocentes são os massagistas e que o mar é aquece a mente dos comandantes marítimos?
Não será, por isso mesmo, (questiono os senhores do mar) tempo de lançar âncora e virem relaxar uns dias à praia e até quem sabe fazer uma massagenzita? ;)
Inveja é uma coisa muito feia ...

segunda-feira, julho 28, 2008

Havia em tempos muito antigos um pequeno lugarejo, onde vivia um cavaleiro de nome ilustre, muito estimado por fidalgos e povo. Ora este cavaleiro adoeceu gravemente e soube-se que poucos dias lhe restavam. (...) Entre as pessoas que o visitavam, uma chamada Rosa levou-lhe uma flor do seu nome. (...) Todas as pessoas esperaram a morte do cavaleiro, (mas) foi Rosa que morreu, tendo-se ele salvo.(...).

(in Santa Maria de Flor da Rosa - Um Estudo de História de Arte, Crato, 1986)

Esta é a história por detrás do nome da pequena e bela localidade que conhecemos este fim-de-semana: Flor da Rosa. É ele também o nome da maravilhosa Pousada onde pernoitamos. Ali ficamos alheados da vida real. Entre banhos de sol e de piscina, e noites em camas de dossel, sentimo-nos tal qual realeza :)
A nossa história no Castelo teve, assim, um desfecho bem mais agradável do que o da pobre da Rosa...
Obrigada por nos terem proporcionado um belíssimo momento.

terça-feira, julho 22, 2008

O novo Biz do Bacalhau

Faz já algum tempo que o Bacalhau está de molho. Quand’ tal vai ficar mole e a desfazer-se pelo que resolvemos retirá-lo da água por uns momentos a ver o que acontece.
Tínhamos, se os leitores bem se lembram, ficado bem lá atrás … O jovem Bilha andava a emborcar bejecas e camarões na costa moçambicana, já Maria andava a converter jovens britânicos à bacalhaumania.
Carminho submetia-se às malvadezas de uma massagista ex-pugilista, enquanto Ivana e Madalena estavam mais unidas do que nunca …

Estavam estas duas meninas uma noite a fritar bolinhos de bacalhau na esplanada de Bilha, quando de repente, Má-Dá, com os seus poderes místicos amplamente conhecidos, teve a visão!

- Ah! – gritou Madalena.

- Hã que foi minha? Tás-te a passar?! Os bolinhos tão a queimar, é? Relax … - acudiu Ivana, deitada na rede, ao fundo da cozinha.

- Não, não é isso! Estou a vê-lo … estou a compreendê-lo perfeitamente e é incrível … Nunca pensei que isto fosse acontecer, mas é inevitável, não há volta a dar!

- Ei ó Má-dá, tu estás bué de estranha! Não me digas que andaste outra vez a snifar Branca de Neve! Já te disse para te afastares dos pós brancos! Bateu mal agora, tá visto! – encolheu os braços Ivana enquanto tocava com a mão no chão para dar mais lanço na rede.
(vida boa é pra quem pode!)

- Não, não, Iv! Olha, o óleo está a dizer tudo. Eu estou a ter a visão nas bolhas do óleo. Ele não mente! – prosseguiu Má-Dá enquanto a sua cara escorria litros de suor devido à proximidade com que mantinha o rosto da frigideira.

- Oh c’um camandro, já tou a ver que tenho q’ir aí, bolas! – levantou-se Ivana, espreguiçando-se e desalinhando o cabelo, de forma a parecer cool. Enquanto caminhava até ao fogão, olhou-se no espelho do esquentador, olhou-se, desarranjou a franja e piscou o olho a si própria.

- Estás a ver a borbulhagem do óleo? – apontou Má-Dá fascinada.

- Sim, claro, e estou a ver que se não afastas a cara daí vais passar o Verão enfiada num quarto a pôr pomadinha pras queimaduras. Ei, chega-te pa trás! Mas afinal que raio estás tu aí a ver?

- Iv, olha, nós vamos ficar juntas! É isso que o óleo diz.

Ivana arqueou as sobrancelhas e recuou dois passos para trás e dois passos para o lado. Como o ritmo a entusiasmou ainda deu mais dois passos para o outro lado, regressou ao meio, deu mais dois passos para trás e repetiu o esquema mais duas vezes, acompanhando com um agitar de braços. Até que o ritmo Bob Marley subitamente parou na sua cabeça e a fez retomar ao estado de quase-choque que aquela afirmação de Má-Dá tinha causado em si.

- Ei, ó minha, pensei que desde o episódio Piloto do Bacalhau essas cenas de ‘frutinha’ te tivessem passado! Tás-me a confundir?! É que se estás, bem ficas aqui sozinha a fritar os bolinhos que eu não te ajudo a prová-los antes de os servires ao people da esplanada, topas?
Má-Dá suspirou enquanto olhava as suas unhas impecavelmente pintadas de encarnado. (tenho que passar mais endurecedor de unhas, pensou). Retomou o diálogo:

- Iv, olha lá, estás-me a confundir!? Eu não me estou a referir a frutas nem a frutaria, é um negócio bem diferente! Eu e tu vamos ser sócias, daí o óleo dizer que ficaremos juntas, percebes?

Ivana desta vez olhava por entre a janela e percebia era que estava um surfista alto e moreno sentado numa das mesas da esplanada, que até há cinco minutos atrás não estava ali. Ai não estava não que ela tinha-o ‘’micado’’. Tinha uma prancha grande e lustrosa, talvez não fosse má ideia ir ter com ele e perguntar-lhe que marca de parafina usava… Sabem é que Ivana acreditava que iria encontrar a sua parafina-metade e este candidato era promissor…
Má-Dá aproximou-se dela e trazia um pente ameaçador na mão.

- Iv, estás-me a ouvir a falar contigo? Bolas, se não ouves, vou-te pentear todinha! Vais ficar escovinha! – ameaçou uma Má-Dá em estado de nervos e com uma queimadura de terceiro grau a evidenciar-se-lhe no rosto.

- Ei, está bem, está bem, escusas de ficar vermelha que nem um pimento!

Ouvindo estas palavras, Má-Dá olhou-se no esquentador e realmente viu que não eram só as suas unhas que estavam encarnadas. A sua cara estava da mesma cor e aí percebeu que um calor insuportável crescia dentro de si. Tocou na cara e sentiu umas bolhas a formarem-se sorrateiramente. Aí percebeu! (finalmente!)

- Iv, queimei-me toda com o óleo dos bolinhos! Tens que me levar já ao hospital! – gritou.
Ivana olhou novamente o surfista e tomou a sua opção. A parafina tinha que esperar, a sua amiga estava em apuros e com a cara a derreter tal qual manteiga guardada fora do frigorífico. Tinha que a acudir!

Correu a buscar o boogie e zarparam as duas ao hospital.
Pelo caminho, a brisa atenuava as dores da Má-Dá que estava furiosa!

- Mas por que é que tive logo eu que ser abençoada com o dom do visionamento no óleo quente? Podia continuar a ler o futuro nas espinhas do bacalhau mas não! Não! Tinham que me dar um novo dom! Este narrador mete nojo!!!!

(Ei, calma lá que te corto o pio, menina Má-Dá!!! Eu, Senhora Narradora, mereço respeitinho! Vamos lá continuar mas com suavidade, ok?)

- Chill out, minha! Vais ver que os Doc’s te tiram isso da cara num vipe! – confortou Ivana.

- Iv, o que te estava a tentar dizer antes de ficar neste estado encarnado, era que eu tive uma visão. E não foi de óculos de sol, não havia nevoeiro. Tu bem viste, o óleo não estava requentado, eu encetei uma nova garrafa e era novinho! Não há engano! Nós vamos ser sócias. Vamos abrir um novo negócio nunca antes visto!

- Ai, sim? Então o que viste foi trabalho!? Cum camandro! Ainda se nos víssemos a ir de férias juntas para o Tahiti ou para as Phi-phi ainda valia a pena a queimadura, agora isso … Ó minha deixa que te diga mas não vale a pena o esforço! – disse Ivana desiludida com a revelação – Mas agora diz de uma vez, antes que desista de te ter escolhido ao invés da parafina. Que raio de trabalho é esse? Quê? Não me digas, o Bilha vai abrir vagas e vamos começar a produzir Iscas de Bacalhau para fora?

- Não, nada disso. Vamos fazer … Consultadobacalhoaria!

- Quê?! – respingou Ivana. Que raio é isso de consultabacalhoria?

- Não é assim que se diz. É Consultadobacalhoaria! É como te disse, algo que nunca foi feito, algo nunca visto! – revelava Má-Dá entusiasmada, apesar das dores.

- Cá para mim tu usaste um óleo do Lidl e estava estragado… - disse Ivana, ainda céptica.

- Não, eu explico-te. É assim: …

Má-Dá ficou subitamente muda, porque a narradora quis ser um pouco perversa e deixá-la um pouco de molho devido à malcriadez da menina para consigo, momento atrás. Para além disso a narradora considerou ser este o momento adequado para informar os leitores do paradeiro de alguns dos restantes membros deste Bacalhau … Enquanto Má-Dá e Ivana demolham um pouco, vamos descobrir a jovem Maria…

Maria, agent Mary se bem se recordam, está neste momento, num avião a jacto. A sua missão estava a ser não só bem sucedida como altamente reconhecida no reino de sua Majestade. Com efeito, no Palácio de Buckingham já não se comia nada que não tivesse como ingrediente principal o Bacalhau!

A Queen Bétinha começava o seu dia com uma omoleta de bacalhau desfiado. Ao almoço não dispensava um Bacalhauzinho com Broa e à noite, para ser algo mais ligeiro, tinha predilecção pelo Bacalhau cozido. Sempre acompanhados de um belo de um chá de menta, para facilitar a digestão, que os ENO estouravam com o orçamento real!

Agent Mary transformada de menina e moça de recados de Carminho, em mulher e banqueira de prestígio em Londres, usava assim de uma dupla-identidade. No banco, utilizava as listas de clientes para angariar mais seguidores do culto bacalhoeiro. Em breve, seriam uma enorme mancha e Mary seria a Queen do Bacalhau! Ahahahh!
Nesse momento, Agent Mary dedicava-se a uma tarefa de maior importância. Escrevia uma mensagem aos recém-casados Bilha e Carminho.

(Pois é! Bilha e Carminho casaram-se!! Não sabiam? Há-há-há- não sabiam!? Pois ficam a saber!)

’Dears Bilha e Carminho,

I rite yous directamente from my secretária of chic mogno and with a tampe in mármore. Caríssima! Expenssissivly! For that, utilizo one Montblanc of permanent teint given by my Mr. P. with a joaninha gravada. Mr. P has this adoração for joaninhas, you never no why? But the fact is that I talvez alimente essa obsession … Well, fetiches à parte, queria, sobremaneira, sobremanne, I mean, dizer-vos que I loved your Kamasutra Book que me enviaram so kindly from Nepal. Mr. P and I use post its on the favourite chapters! J Well, está na happy hour, tenho que join the colegas no pub. Not my cup of tea but well…I’m a secret agent undercover so I must go… Bye, bye, kisses! Cheers! Hihihi, hehehe, hihihi, hehehe!

Mary of London’’

Dado o suspense necessário, regressemos pois a Madalena e Ivana. Irei retirá-las da hipnose em que se encontram: Look into my eyes, Look into my eyes, not the round of eyes, only in the eyes…Wake up! (qualquer semelhança com a Little Britain é pura coincidência…cof, cof…).

- Não, eu explico-te. É assim… - repetiu Má-Dá, bocejando.

- Que sono! – espreguiçou-se Ivana.

Mas estavam agora à porta do hospital. Má-Dá deu entrada numa maca, após Ivana ter dito ao rapaz das urgências que a amiga se tentara queimar em acto de desespero por um amor não correspondido. Situações como esta geralmente eram atendidas com luz verde e assim Má-Dá passou à fente de pessoas com crânios esmagados devido a brutais acidentes de viação, bebés com febres de 44 graus e grávidas com os filhos já à espreita nas saias da mãe… É vida: quem é esperto, safa-se!

Atendida por um belíssimo médico em tronco nu, porque ele simplesmente não aguentava o calor que Má-Dá emanava da sua cara, agora não só devido à queimadura mas também causado pelo estado de rubor em que se encontrava, Má-Dá teve finalmente um momento refrescante. Ele deitou-a na maca, em câmara lenta e Má-Dá percebeu que ele usava Acqua de Gió. Sentia-se a pairar nas nuvens! Aquela era a visão mai linda que já tivera e mais cheirosa também! O gentil médico colocou-lhe umas compressas com gel refrescante e reparador na cara e deu-lhe Ice Tea fresco por uma palhinha.

Enquanto sugava, Má-Dá repetia para consigo: mudásti, mudásti! – numa clara alusão ao estado de dah em que se encontrava devido à perturbadora e máscula presença daquele médico do serviço de urgência!

Ivana andava às voltas na sala de espera, confusa com a revelação de Má-Dá até que lhe disseram que podia ir vê-la.
Entrou no quarto e viu a sua amiga coberta de compressas. Apenas se via compressas e um sorriso rasgado!

- Eh lá, viste o passarinho verde, foi? – brincou Ivana.

- Vi e cheirava tão bem! – balbuciou uma Má-Dá embriagada com Acqua di Gió.

- Olha, agora que a malta está mais calma e fresca e tal, explica lá o biz.

- Ok, aqui vamos, a ver se é desta. Vamos ser consultadoras de bacalhau. Ou seja, vamos trabalhar juntas no negócio da Consultadobacalhoaria, que basicamente consiste em a gente aconselhar outros sobre os negócios do bacalhau! Podemos, por exemplo, dar Formação em Como Fazer Iscas de Bacalhau no Contexto da Inovação das Fritadeiras Tefal, ou, Como tornar as Migas de Bacalhau Assertivas, ou ainda, Desenvolvimento de Competências Salgadas no Bacalhau Ultra-Congelado. Entendes? Pessoas como o Bilha e outras lanchonetes, restaurantes, e tal não vão conseguir passar sem nós. Nós ainda vamos fazer Entrevistas de Selecção dos Bacalhaus que eles vão ter. Vamos fazer Head-Hunting de Bacalhau, ou seja, pescar as melhores ‘’Cabeças’’ de Bacalhau! Vamos ficar ricas !!!!

Ivana olhava Má-Dá animada. Não tinha percebido nada do que ela tinha para ali dito mas a última frase deixara-a super entusiasmada. Rica?! Agradava-lhe!

- Vou poder comprar as ilhas Tahiti com os surfistas incluídos? – perguntou.

- Claro que sim, Iv! Tudo será possível com este negócio!

No regresso à lanchonete, viajam num boogie duas jovens empreendedoras. Iam de cabelos ao vento, com a mente cheia de planos, a correr livremente…
Entretanto, os bolinhos de bacalhau, todos queimados, pareciam meteoritos e a lanchonete cuspia fumo para o ar, enviando a Bilha a mensagem:

‘’Bilha, acode! A Má-Dá fugiu com a Ivana e vão abrir outro negócio!!’’

Em casa, enamorados, Bilha e Carminho receberam a mensagem de fumo enviada pela lanchonete.

- Carminho, babe! Foste promovida a fritadeira de bolinhos de bacalhau! – disse Bilha – Toca a acordar deste belo soninho de mel e bora lá pra labuta!

- Tudo eu, tudo eu! – respingou Carminho, mas lá foi ela e o seu agora esposo, Bilha. De agora em diante, as férias nas lhas Caimã e no Barco de Valentino e de Armani tinham terminado e teria que assumir novas responsabilidades! O negócio da lanchonete também lhe pertencia e ela estava decidida a dar-lhe glamour!

Enquanto iam a caminho, Carminho já tinha planos para o novo prato de Bacalhau Gourmet – Nouvelle Cuisine da Lanchonete. Ia ser um sucesso!

quinta-feira, julho 17, 2008

A K7 do Bacalhau já está a rolar !

Quem de nós não gravou numa K7 as suas músicas favoritas e punhas-as no walkman a rolar, a rolar até a fita gastar!?
Em nome desses tempos aqui vão umas musiquitas para escutar e abanar o esqueleto (ou pelo menos abanarmos as pernocas debaixo das secretárias no office!)

terça-feira, julho 15, 2008

Regresso a Kathmandu e a Despedida

Na manhã seguinte, tomado o pequeno-almoço e já com Yeti à nossa espera para partir, fomos surpreendidos com uma comichão tremenda nos calcanhares. Tínhamos sido devorados por mosquitos sedentos. Ironicamente, na selva nem uma picada e ali, onde nada o fazia prever, fôramos impiedosamente atacados! Mas essa não foi de longe a maior preocupação. Com a estrada cortada, o agente local ligou-nos a informar que não regressaríamos de jipe como previsto e que tentaríamos arranjar um voo interno de ligação. Até aí tudo bem, não fosse a chuva torrencial. Tornava-se muito arriscado voar com aquele tempo e eles não sabiam ainda se a companhia iria cancelar os voos desse dia.
Como na tarde do dia seguinte regressaríamos a Portugal era imperativo que, por terra ou por ar, nos levassem de volta a Kathmandu. Porém, teríamos que esperar. E esperamos, esperamos ... Até que, no final da manhã e posta de lado a hipótese do avião, nos fizemos à estrada, a ver no que dava. O facto de existir um bloqueio fez com que a nossa viagem de regresso tivesse sido muito menos atribulada. Quase não havia carros na estrada. Aproveitamos para relembrar e fotografar alguns dos belos cenários pelos quais tínhamos passado. Pelo caminho, muitas crianças iam para a escola. Iam sós, apesar de muito pequenas.
E eis que chegamos ao ponto do bloqueio. Uma fila de camiões fritava ao sol. Homens e mulheres estavam sentados à beira da estrada. Lá à frente, uma corda feita com pneus impedia a passagem de viaturas. O clima, no entanto, era pacífico. Sem gritos, nem agitações. Estava parado, estava parado. Começamos a perceber que ali ficaríamos um bom pedaço até que, surpreendentemente, nos pediram para sair do jipe. Seríamos transportados por um outro jipe que estava do outro lado da ‘’barreira’’. Pensávamos em como foram inteligentes! Mais uma vez, a logística sem falhas! Prosseguimos então viagem, deixando para trás um cenário colorido do qual faziam parte umas quantas velhas nepaleses que fumavam vagarosamente a sua marijuana, uma das plantações de eleição da região e perfeitamente liberalizada.
A viagem foi rápida e entramos novamente na agitação citadina de Kathmandu. O corpo estava cansado e mole da viagem. No Hotel Everest fomos novamente acolhidos com a simpatia habitual. Chegados ao quarto, tudo parecia luxuoso! A memória das condições de Chitwan estava ainda fresca … A tarde estava já no fim, e a hora de jantar aproximava-se. A última refeição que fizemos no Everest foi no Restaurante Indiano. Uma iguaria picante composta por carne de porco e galinha, acompanhada por arroz e um pão achatado maravilhoso!
Aproveitamos para ler um pouco no lobby mas a concentração tornou-se impossível. À nossa frente, um grupo de indianas exibia no tapete, as múltiplas jarras e ornamentos de latão, cravejadas com pedras coloridas que haviam comprado nessa tarde. O consumismo não é só doença dos ocidentais, estava visto!



A Despedida do Nepal Exótico

Na manhã do dia seguinte, a última antes de partimos de regresso a casa, o lobby do Hotel cheio de pessoas. Tinha acabado de chegar um enorme grupo de indianos. Todos eles eram recebidos com um copo de sumo de frutas e com um sorriso. Seriam perto de quarenta ou até mesmo cinquenta pessoas. O certo é que encheram a entrada e só se viam malas por todo o lado.
Concluímos que existem muitos turistas indianos no Nepal com poder económico para se alojar nos melhores hotéis. Todos ostentavam ornamentos em ouro e movimentavam-se com um à vontade de quem está perfeitamente acostumado à vida de hotel.
Entretanto, no meio daquela multidão, surgiu o nosso guia, o que falava espanhol. O voo era somente às cinco da tarde e iríamos aproveitar essa manhã para conhecer o que faltava de Kathmandu: a Stupa de Bodhnath, segundo ele a maior do Nepal; de seguida, visitaríamos o conjunto sagrado de Pasupatinath, terminando na cidade medieval de Baghgaon, famosa pelos seus monumentos e estátuas.
Apesar de não ser já para nós uma novidade, a Stupa de Bodhnath foi, contudo, aquela que mais apreciamos. Ao contrário das outras, não ficava num ponto alto, ficava numa rua da cidade, num largo e estava rodeada de pequenas lojas. Muitas delas, eram escolas de arte onde jovens artistas expunham e vendiam os seus frescos: as tangka. Tangka é um tipo de pintura tibetana usada pelos budistas para meditar e é considerada uma das melhores expressões da arte tibetana. As tangkas servem para mostrar as teorias budistas e é uma forma de professar o budismo, representar histórias da vida dos santos, as actividades religiosas e a cultura tradicional. As telas de linho ou algodão são as mais utilizadas nestas pinturas. O tamanho das tangkas varia entre alguns centímetros quadrados e vários metros quadrados, que custará meses ou anos de trabalho para os artistas. Cada pintura vendida representa uma oportunidade de custear o trabalho dos artistas por dias, semanas ou meses. Lá, como cá, viver da arte não é fácil.
A Stupa de Bodhnath está construída numa base octagonal, e a sua vista de cima está representada numa Mandala desenhada pelo Dalai Lama, onde se encontram mantras. Caminhamos em redor da Stupa no sentido dos ponteiros do relógio e observamos as cores, as pessoas, as lojas e os odores. Partiríamos dali, do centro budista, rumo a Pashupatinath.
Pashupatinath é o local de peregrinação hindu mais sagrado em todo o Nepal. Consiste num enclave de templos, ghats (degraus que conduzem ao rio) e locais de cremação. Apesar de, como qualquer local de culto, ter muito movimento de fiéis, o silêncio impera, apenas cortado pelo murmúrio do rio Bagmati. Observamos cadáveres de pessoas que jaziam no chão sobre uma esteira, cobertos com um pano branco. Seguir-se-ia a cremação do corpo já na pira. No final, as cinzas seriam varridas para o rio, seguindo caminho com a corrente. A família real tinha as suas piras exclusivas, que lembravam, sinceramente, os nossos fumeiros.

O sentimento que nos invade ao assistirmos às cremações é semelhante ao que nos acontece quando vemos um filme. Reagimos como se aquilo fosse ficção, como se na realidade não estivéssemos a ver corpos humanos a serem queimados bem perante os nossos olhos!
Apenas os bebés com menos de seis meses são enterrados e não queimados. O fogo é visto nesta religião como elemento purificador da alma e do corpo. Como aquele que liberta do pecado. Do que se depreende que até aos seis meses, o ser humano não tem em si pecado. Sorrimos perante esta lógica. O odor que se respira em Pashupatinath é um misto de fumo com fortes incensos e flores queimadas. É um ambiente tão intenso que não permanecemos lá por muito tempo. Aliás, nem nos sentíamos confortáveis em estar a observar pessoas que estavam ali a despedir-se dos seus entes queridos. Colocamo-nos no lugar deles, respeitamos a sua dor e saímos. Uma particularidade é que a cor do luto que eles adoptam é o branco total. Explicamos ao guia que usamos o negro e que enterramos os nossos mortos, apesar de as cremações já existirem, ainda que não na forma tão arcaica que ali assistíramos. Ele reagiu com espanto, encolheu os ombros e prosseguiu.
Seguimos então para o último local a visitar. Chegamos à cidade medieval de Baghgaon e entramos num estreito corredor cheio mulheres sentadas com galinhas à venda. Caminhamos e acedemos a uma praça rodeada de monumentos e de estátuas. Os monumentos em madeira talhadas, as estátuas em pedra, um pouco à semelhança do que víramos na Durbar Square. O guia comenta que ali decorreram as filmagens do ‘’Little Budha’’ com Keanu Reeves, decididamente um filme a rever aquando do nosso regresso.
Num dos templos, deparamo-nos com imagens do Kamasutra talhadas na madeira. Homens com mulheres, mulheres com mulheres, corpos nus ali talhados numa total anarquia e despudor sexual! O comércio é bastante intenso dentro da cidade medieval. Existem várias lojas de produtos artesanais, desde écharpes com 100% de caxemira, vasos em barro, catanas, paus de incenso, entre outras coisas. Entramos numa loja de música, com uma grande oferta de música e de filmes. Arqueamos as sobrancelhas e comentamos que não esperávamos encontrar tanta modernidade numa cidade medieval! Cruzamo-nos com algumas pessoas que lá viviam e não deixamos de notar que é costume pintarem os olhos dos bebés com eye liner preto em torno de todo o olho. O efeito visual não é dos mais agradáveis …
Chegada a hora de almoço, aproveitamos para comer algo num dos restaurantes de Baghgaon e aí observar as gentes, como que já dizendo adeus. A partida estava breve…
No regresso ao Hotel, trocamos impressões com o Guia, aproveitando a oportunidade para lhe dizer o quanto tínhamos gostado dos dias que tínhamos passado no Nepal e para lhe transmitir o quanto apreciáramos a hospitalidade do seu povo.
Questionou-nos qual o nosso próximo destino. Sorrimos-lhe respondendo que para já, era tempo de assimilar o quanto o Nepal nos tinha transmitido a todos os níveis. Fora uma viagem de sonho, a lua-de-mel que tanto sonháramos! As pessoas, as paisagens, o contacto com a cultura e sobretudo com a espiritualidade. Essa seria a maior riqueza que traríamos na nossa bagagem no regresso e que com toda a certeza tão cedo não se apagará das nossas memórias e corações.
Sobrevoando Kathamandu despedimo-nos do Nepal com um sorriso nos lábios mas com uma enorme vontade de chegar a casa e partilhar com os mais próximos esta fantástica viagem!





( na imagem, um exemplo de uma Tangka)

segunda-feira, julho 14, 2008

A bela e mágica Pokhara

De todos os locais onde estivemos, Pokhara é o mais fascinante em termos de beleza natural, apesar de ser o mais bem equipado em termos de turismo. Rodeada pelos Himalaias e em especial pela famosa cordilheira Annapurna, rapidamente nos apercebemos que Pokhara é o local de eleição para trekking no Nepal.
Cá em baixo, lago Phewa reflecte as montanhas, tal a sua limpidez, criando uma imagem dupla fantástica. É um dos maiores lagos do Nepal e oferece um cenário idílico e tremendamente romântico. Nele passeiam-se vagarosos barcos coloridos com turistas.
Lá no alto, avistamos a ‘’World Peace’’ Stupa. Existe um caminho entre a montanha para lá se chegar, mas a náusea e a dificuldade de respirar impediram a que lá chegássemos.
Calcorreamos as ruas de Pokhara, onde existem várias lojas, pequenos comércios todos eles vocacionados para o turismo: restaurantes, estalagens, lojas de souvenirs, livrarias, mercearias e por aí fora. A caminho descobrimos o fantástico Fish Tail Lodge, um hotel magnificamente construído em cima da montanha e do outro lado do lago. Atravessamos para a outra margem no barco do Hotel e fomos explorar. Ao contrário do de Chitwan este parecia ter todas as comodidades e mais algumas! Descobrimos a piscina que, debaixo do calor em que estávamos, estava mais convidativa do que nunca! Num pé voltamos ao nosso hotel, pegamos nos fatos de banho, e noutro estávamos de volta à piscina onde ficamos até a pele enrugar!
Inesperadamente, ouvimos alguém falar em português, ali ao nosso lado! Metemos conversa e apresentamo-nos. A senhora que era presidente de uma ONG estava ali numa espécie de retiro para se concentrar na escrita de um livro sobre um rapaz órfão que alojara numa das suas casas-abrigo no Nepal e que agora a tratava por ‘mãe’. Contou-nos que estivera em locais verdadeiramente inóspitos como Nairobi e também das enormes dificuldades e entraves que pessoas como ela enfrentam. Estendeu-nos o cartão, desejou-nos felicidades e despediu-se. Esperava-a um compromisso. Não devia ter uma vida nada fácil – pensamos – mas ainda bem que existem pessoas assim no Mundo.
Aproveitamos o fim de tarde para relaxar na rede que havia no Lodge e para fotografar a luz mágica no Lago. Nessa noite, saboreamos um belíssimo jantar na esplanada de um restaurante perto do Hotel. Ali nos deixamos estar a apreciar a diversidade de pessoas que passava: louros, morenos, altos, baixos, europeus, hindus, buditas, tibetanos … todos ali na serena e bela Pokhara.
O clima é mais quente do que em Kathmandu. Estávamos na época das monções que dura até Setembro. Ainda no restaurante, começou a chover torrencialmente. Ficamos à espera que abrandasse. Tínhamos todo o tempo do mundo …

**

Na manhã do dia seguinte esperava-nos um guia local. Com ele conheceríamos a Deivi’s Fall, umas cataratas onde se acredita terem caído dois amantes e onde atiramos uma moeda, em troca de um desejo. Visitamos também um campo de refugiados tibetano, onde moravam centenas de pessoas obrigadas a viver ali depois da carnificina chinesa. Ali, homens e mulheres têm papéis bem definidos. Elas trabalham na tapeçaria. Em teares manuais, calejadas nas mãos, são as artesãs de lindíssimos tapetes que não fosse a dificuldade de transporte, teríamos certamente comprado. Eles eram comerciantes. Uma delas tentou ensinar-nos um pouco da sua arte mas é algo de complicado e que implica uma destreza manual impressionante. É inacreditável a rapidez e a perfeição com que aquelas mulheres conseguem materializar um complicado desenho numa belíssima carpete.
Tivemos ainda oportunidade para conhecer uma casa onde vivem monges budistas de todas as idades. Visitamos um dos seus templos, onde têm aulas de história e de outras matérias. Vivem com simplicidade e lá respira-se paz. Houve ainda tempo para nos rirmos com o caricato de uns aposentos de um tibetano que, abaixo da imagem do Dalai-Lama, exibia um poster do Cristiano Ronaldo. Decididamente, o Portugal deixara de ser conhecido pelo ‘bacalao’ para ser conhecido pelo Ronaldo. Onde fica provavelmente não sabem, mas pelo menos sabiam que existia. Valha-nos isso!
É impossível abandonar o campo de refugiados sem nos revoltarmos com a China. Por causa deles, da sua violência e ganância desmedida, aquelas pessoas tão pacíficas e inofensivas estavam privadas de viver na sua terra. Isso já o sabíamos, pelas notícias, outra coisa, é falar com as pessoas. Mais uma injustiça neste Mundo …
Visitamos ainda mais dois Templos: um budista e um hinduísta, bem colados um ao outro, o que prova que é possível vivência em harmonia entre pessoas com religiões diferentes. Essa é uma lição que pessoas educadas e com suposta cultura como os Irlandeses, deviam aprender! Eles e outros tantos!
Num deles, recebemos a famosa pinta vermelha na testa. Fomos abençoados, segundo o guia. Assim o acreditamos, assim nos sentimos.
À tarde, já sem o Guia, resolvemos caminhar pelas ruas, fotografar. Paramos numa livraria e não resistimos a comprar um livro sobre o Nepal. Ali encontraríamos fotos que nunca teríamos de Pokhara. Fotos das pessoas que vivem no alto das montanhas. Gente que vive com pouco, mas que vive feliz. As pessoas que abrigam os alpinistas aventureiros e que provavelmente fazem das suas viagens, recordações preciosas. Gente hospitaleira e generosa. Lemos que nas montanhas as pessoas têm mais glóbulos brancos e que os seus pulmões são maiores do que o habitual. A adaptação da espécie humana às condições da Natureza aqui bem patente …
Trocamos impressões com o rapaz da livraria e aproveitamos para comprar CD’s de música local, paus de incenso, chás … numa tentativa de trazer para casa o cheiro, o sabor e os sons do Nepal.
No regresso ao Hotel tivemos a notícia de que o dia seguinte, no qual regressaríamos a Kathmandu, não seria fácil. A estrada estaria cortada, devido a um protesto civil contra a subida dos combustíveis.
Resolvemos adiar essa preocupação para o dia seguinte e fomos saborear as delícias da cozinha nepalesa no nosso último jantar em Pokhara.


A dureza da selva ... dia 2 no Temple Tiger Lodge

O segundo dia na selva começou, como previsto, bem cedo. Pontualmente, fomos despertados pelo acender da luz da lanterna que estava por cima das nossas cabeças. Era sinal de que o gerador havia sido ligado. Entretanto, ainda a esfregar os olhos, fomos surpreendidos por um ‘’Good Morning’’ à porta do bungalow. Era um dos empregados que nos trazia café ou chá. Para o efeito, vinha munido com chávenas, uma termos com água quente e com saquetas de café e de chá. Optamos pelo café e não deixamos de reparar que uma saqueta foi repartida pelos dois. Nisso resultou um café que mais parecia água suja. Mas estávamos na selva e, dadas as circunstâncias, não nos podíamos queixar.
No quarto de banho, um novo visitante. Desta vez, um lagarto passeava pela parede do chuveiro. Entre este e o aracnídeo preferíamos o primeiro. No entanto, tivemos também de lhe pedir que se retirasse que o quarto de banho era um espaço onde se quer privacidade!
E assim tomamos um duche para despertar. Com água quente mas, que por mais que cerrássemos a boca, tinha um odor e sabor a ferrugem. Ou não fosse ela proveniente de reservatórios e não das canalizações que dispomos no nosso ‘mundo moderno’.
Saímos para o pequeno-almoço onde fomos surpreendidos pela positiva: panquecas, ovos, torradas e geleias. Muito saboroso, mas eram quase seis da manhã e o Chefe estava a nossa espera! Apenas um pormenor nos incomodava: a chuva torrencial! Chovia desalmadamente!
Abeiramo-nos dele e perguntamos:
- Are we still going to the river? – perguntamos.
- Yes! – disse ele num tom seco e como quem diz, porque não haveríamos de ir?!
- Isn’t it dangerous because of the rain? – insistimos quase a medo…
- It depends what you consider to be dangerous … - respondeu em tom sarcástico.
Perante estas palavras, percebemos que na selva não existe condescendência nem mariquices. Se está escrito no programa que das 06h às 11h haverá um safari de elefantes seguido de travessia de canoa no rio, esteja chuva ou sol, isso é irrelevante!
E lá fomos nós, quatro montados num elefante, com um guarda-chuva a abrigar-nos a cabeça, que o resto do corpo iria ficar inevitavelmente ensopado, já o prevíamos. O desconforto surgiu várias vezes ao longo da comprida viagem que fizemos de elefante. A chuva, apesar de quente, teimava em continuar e sempre que havia uma descida acentuada de piso, a água acumulada no plástico atrás de nós, escorria e ensopava-nos as calças! Entramos na selva densa e começamos a avistar impalas que surgiam e desapareciam num ápice! Com a mesma fugacidade, vimos javalis e macacos. Em marcha lenta, o nosso elefante lá seguia caminho, uma caminho que desconhecíamos, um caminho que nos conduzia a parte incerta, sem que soubéssemos quanto tempo demoraríamos a lá chegar. O desespero começou a instalar-se passada uma hora e meia, em que já cansados de chuva, da lassidão do animal e da – confessamos – falta do que ver na selva para além de árvores e arbustos, começamos a mexer-nos no assento e a comentar entre dentes que já bastava de passeio para aquela manhã. Queríamos perguntar se ainda faltava muito, mas encolhemo-nos perante a frieza do ‘’Comandante’’. Depois daquela resposta de manhãzinha, preferíamos esperar para ver.
E eis que finalmente chegamos ao Rio! Um rio da cor da lama, que corria feroz! A agitação das águas era tanta que nem queríamos acreditar quando percebemos que o guia mantinha a intenção de nos levar de volta de canoa! Fomos possuídos pela ansiedade e já no solo, depois de nos terem mandado descer do elefante, não conseguíamos controlar o riso quase maníaco de quem não quer acreditar no que estava prestes a acontecer. Entraríamos numa canoa de madeira que mais parecia estar a desfazer-se – nós, o Comandante-guia, mais dois homens que conduziriam a dita cuja. O pânico instalou-se mas lá entramos. Desde o momento em que subíramos para o lombo do elefante que a escolher o que fazer deixara de ser uma opção.
Surpreendentemente, quando estávamos já a bordo e em pleno rio, a corrente parecia ser fraca comparativamente com o que se via de fora. Ainda assim, sabíamos que era o rio quem nos conduzia, não os homens dos remos partidos. Já calmos, apreciamos a paisagem. As duas margens repletas de vegetação faziam lembrar cenas dos documentários que passam sobre a Amazónia. Não havia dúvidas que estávamos em plena selva! ( a essa altura também dúvidas já não as havia nem poderia haver…)
Chegados novamente a terra, reparamos que estávamos exactamente no mesmo ponto de onde partíramos quando nos esperavam para nos conduzir ao Lodge.
- Mais uma hora em cima do Babar! – dissemos. Mas, desta vez, já conhecíamos o caminho e isso fez com que a distância encurtasse.
Pelo caminho, a mesma lassidão, a mesma ausência de animais. Apenas rinocerontes. Concluiríamos no final que o Temple Tiger Lodge se deveria chamar Temple Rhino Lodge…
Chegados, ainda nos reservariam uma outra actividade. Estávamos exaustos, encharcados, enlameados, mas lá fomos, semi-arrastados. Esperava-nos um Elephant Briefing, como lhe chamaram. Conhecemos o espaço onde os elefantes eram tratados e onde dormiam, quer eles, quer os seus tratadores/ condutores. A introdução foi breve: basicamente aprenderíamos as diferenças entre os elefantes asiáticos e os africanos e, no final, ser-nos-ia feita uma pergunta para saber se tínhamos estado atentos! Tal e qual! Este Comandante-Guia não estava para brincadeiras mesmo e por isso lá ouvimos o homem com muita atenção (ou pelo menos fingimos isso…).
Do que ouvimos, ficou a ideia de que, apesar de obedientes e muito bem treinados, se um daqueles elefantes quisesse, num repente podia arruinar com aquilo tudo. Bastava-lhe acordar o selvagem adormecido que havia dentro de si. Isso impõe respeito. Deu a ideia de que basicamente eles estavam ali porque queriam… Não seria bem assim, mas pronto. A desigualdade de forças é inquestionável.
De regresso ao Lodge, fomos avisados que às cinco da tarde, que era quando faria menos calor, nos esperava um novo passeio de elefante. Veríamos … - pensamos.
Após o almoço e um merecido descanso, decidimos que não íamos novamente selva afora. Já que seria o nosso último dia ali no Lodge, aproveitaríamos para explorá-lo e descansar! Fomos então até ao deque de observação dos animais. Uma varanda fabulosa para um enorme lago. O céu estava novamente limpo e o sol brilhava novamente. O dia estava com uma luminosidade, um dourado ímpar! Sentamo-nos e desfrutamos daquele cenário, daquela paz únicos. A magia daquele lugar foi dos melhores momentos que teríamos nesta viagem.
Mais tarde, jantaríamos já acompanhados com novos hóspedes. Um casal que em nada condizia com aquele lugar. Ele olhava enojado para a mesa e para a comida, recusando a comer o que quer que fosse, á excepção do arroz e do vinho que insistentemente pedia para lhe trazerem. Ela viria, no dia seguinte para o safari de elefantes, vestida com uma mini-saia de ganga e com um top com lantejoulas, parecendo ignorar que na selva a vegetação não se afasta à nossa passagem! Não contivemos o riso, sabendo o que os esperava. Será que o Comandante-Guia lhes iria passar um raspanete por mau comportamento?! Nunca o saberíamos, mas como eram arrogantes para com os empregados do Lodge, resolvemos não os avisar das aventuras pelas quais passariam e para as quais deveriam ir pelo menos preparados com meias e calças!
Essa noite foi passada em branco. A ansiedade de regressar invadiu-me a mente. A noite cerrada e os múltiplos sons dentro e fora do bungalow acelereram-me o coração e, de repente, só dali queria sair! A diferença horária fizera com que dormisse nessa tarde e na hora de dormir, não conseguia pregar olho. Sem luz e com as sombras as bailarem nas janelas que rodeavam o bungalow, fui invadida por um sentimento de insegurança, pelo medo! Medo de não sairmos dali sem que nos acontecesse algo de mal. Por mais estranho e paranóico que possa acontecer, nessa noite não conseguia pensar noutra coisa. Que se nos acontecesse algo de mal, não tínhamos escapatória. Não havia telefones, pelo amor de Deus!
As cinco da manhã finalmente chegaram na noite mais longa de toda a viagem e a satisfação por ir embora era enorme! Pelo caminho que viemos, pelo caminho regressamos. O elefante conduziu-nos novamente à canoa e, já nela, o pequeno-almoço deu voltas no estômago mais do que consegui suportar e o vómito foi novamente inevitável. Desta vez, já nem embaraço senti, tal foi o alívio imediato.
Ao longe, na outra margem, avistei com enorme satisfação o Yeti e a sua ‘irmã’. Sorriam e acenavam-nos. Apesar de terem fracos recursos, não deixamos de comentar a excelente logística daquela viagem. Sempre prontos, pontuais e eficientes. O que faltava ali, no lodge, e mesmo até em Kathmandu, era quem ali investisse a sério. Alguém que lhes desse o know-how do turismo a que o europeu está habituado e que lhes desse também dinheiro, claro está, para a melhoria dos alojamentos, e aquisição de novos equipamentos. Ainda havia muito trabalho braçal desnecessário. Certo que empregava pessoas como por exemplo os dois ‘’canoeiros’’ mas será que o turista mais ‘’exigente’’ estaria disposto a arriscar-se a atravessar o rio nas condições em que o fizéramos? Provavelmente não …
Despedimos-nos do Royal Chitwan National Park e rumamos a Pokhara – o último destino antes de regressarmos a Kathmandu. A viagem seria mais curta.
Chegamos ainda de dia, fizemos o check-in e resolvemos de imediato ir espreitar o local. Antes, tempo para um telefonema para casa, que havia já alguns dias em que não dávamos nem recebíamos notícias do exterior. A selva isolara-nos do mundo completamente!

quinta-feira, julho 10, 2008

Diz a Vera...

Faz hoje 3 anos e 1 mês que este blogue foi concebido. A semente germinou a 10 de Junho de 2005 na bela e romântica localidade de Vila Praia de Âncora, por entre pedrinhas lançadas ao mar.
Com data de nascimento a 21 de Janeiro de 2006, facilmente se compreende que este blogue foi prematuro, com apenas 7 mesinhos de gestação.

Assim se compreende os ciclos que aqui se vivem, oscilando entre momentos tendencialmente hiperactivos com rasgos de loucura e os momentos de evasão e ausência.

Mais ainda, com nascimento em Janeiro, os astros guardam para este pequenote o seguinte destino, esta semana pelo menos:

«Nunca pare de aprender porque nunca sabemos sempre tudo! O conhecimento é o que levamos desta vida, tudo o resto fica cá... Mas é ao "resto" que dedicamos mais tempo...»
(retirado dos sábios conselhos de Vera Xavier, a profissional dos astros com coluna permanente no jornal Metro)

Este blogue abriga loucuras, modas e insensatez.
Esta posta é um exemplo claro disso...

sexta-feira, julho 04, 2008

CHITWAN, O ÚLTIMO REDUTO DA SELVA ASIÁTICA

‘’In the jungle, the mighty jungle, the lion sleeps tonight’’… poderia muito bem ser a música de fundo para esta verdadeira aventura que agora, vista à distância, nos enche de orgulho.
O Parque Nacional de Chitwan é um dos últimos redutos de selva asiática, rico em fauna e flora, albergando animais tão mortíferos como o tigre de Bengala e … o mosquito. Para lá chegarmos, atravessamos as montanhas numa 4x4 numa viagem que durou 7 horas, apesar dos apenas 192 Km de Kathmandu até Chitwan. Sair de Kathmandu foi um verdadeiro suplico, porque uma grua a meio da estrada conseguiu paralisar o trânsito e deter-nos numa fila durante tempos infinitos. Sob um imenso calor e um cheiro nauseabundo a gasóleo que transportávamos connosco em bidões para acudir algum imprevisto, o enjoo e o vómito e o constrangimento foram inevitáveis.
A marcha lenta serviu, no entanto, para uma melhor apreensão das realidades. À medida que saímos do centro urbano, vamo-nos apercebendo da pobreza com que vivem as gentes nos subúrbios. Algumas Habitam barracas em madeira, de pequenas dimensões, para as quais se consegue espreitar ainda que não se quisesse. Os artesãos de beira de estrada também são muitos. Uns costuram em máquinas do tempo das nossas avós, a cair de velhas mas que lá funcionam, outros trabalham as madeiras, outros têm pequenos comércios. Por nós passam imensas carrinhas que transportam as crianças para as escolas. Os School Buses parecem retirados do contexto britânico e caídos ali naquela realidade rural, de uma forma desconcertante!
Vestidos a rigor, com impecáveis uniformes, as crianças acenam-nos e sorriem. Parecem felizes as crianças. Ficamos com uma sensação generalizada de que são crianças amadas verdadeiramente e a maior prova disso será de facto o alto índice de escolaridade. Apesar da pobreza, os nepaleses apostam na educação das suas crianças. Todas aprendem o inglês, obrigatoriamente, o que também revela uma mente aberta para o mundo. Passamos por montanhas, rasgadas por fantásticas cascatas. Lá em baixo, o rio acompanhava-nos na viagem. De vez em quando, lá avistávamos grupos a fazer rafting e imaginávamos o quão fantástico deveria ser deixar-se levar pela corrente rodeado daquele cenário explosivo de verde esperança e de azul celeste!
Estrada afora, passamos por umas boas dezenas de camiões. Os condutores são verdadeiramente loucos: ultrapassam-nos nas curvas, andam a velocidades inimagináveis! Impróprio para cardíacos! Descrever um camião destes é uma tarefa ingrata, porque são completamente diferente de tudo aquilo que já vimos: apesar de degradados, estão completamente enfeitados como verdadeiras árvores de natal ambulantes! Geralmente sem portas laterais, espreitamos que os condutores são miúdos com pouco mais de dezasseis anos. Cintos de segurança? Esqueçam … isso é coisa que não existe e que serve de feitio...
Nesta e nas restantes viagens fomos conduzidos por um simpático nepalês do qual nunca víriamos a saber o nome. Por mais vergonhoso que isso possa parecer, a explicação é simples. O homem percebia mal o inglês. Quando lhe perguntamos: ‘’ What’s your name?’’, ele respondeu-nos com um ‘’ name river Kaliri…’’ e apontou para o rio. Olhamos um para o outro e recostamo-nos no banco resignados com a resposta. A partir desse momento, baptizamo-lo com o nome Yeti (que era o nome da agência de viagens local ‘’Yeti travels’’).
A meio do destino final, o Yeti pára e informa-nos (num inglês muito esforçado) que iremos ter uma nova companheira de viagem: ‘’ my sister’’. Sorrimos e uma senhora com pouco mais de metro e meio, morena, vestida com umas roupas coloridas a evocar o sari indiano, saúda-nos com um ‘’Nameste!’’ e entra rapidamente no banco da frente. Ao longo da viagem, fala, fala, fala como se não houvesse amanhã! Não percebemos o que diz, mas entretemos a olhá-la e a sorrir. Yeti, compenetrado na estrada não abria a boca, nem tão pouco acenava ou dizia ‘’hum-hum’’…Ouvia o que a irmã lhe dizia …
Pelo caminho, começamos a duvidar do grau de parentesco entre ambos e começamos a tecer histórias acerca daquele casal tão caricato. Provavelmente, não seria irmã, mas uma amiga especial, a quem Yeti proporcionava uns dias diferentes, ao mesmo tempo que garantia companhia para os 4 dias em que ficaria à nossa espera para depois nos trazer de volta a Kathmandu. E se assim fosse, tudo muito bem!
E eis-nos então chegados ao Park de Chitwan! Contrastando com as montanhas, é uma área de fácil acessibilidade por comparação com as montanhas do resto do país, de terras férteis, com abundância de água e um clima húmido e subtropical, onde abundam os arrozais. O jipe atravessou o Park e, expectantes, olhávamos em volta, na ânsia de avistar os bungalows.
Até que o carro pára junto à margem do rio e começamos a aperceber-nos da realidade. Teríamos que atravessar o rio. À nossa espera, uma canoa e dois homens esperavam-nos. As canoas, em madeira, pareciam a coisa mais insegura do mundo, perante o colossal rio e a forte corrente. Os primeiros risos de medo miudinho começaram a surgir. Yeti, sorridente, passou-nos a mochila e acenou-nos com um ‘’Bye-bye’’.
Sem escolha, entramos na canoa. Já na outra margem, mais uma surpresa nos esperava. Um elefante seria o nosso meio de transporte até ao Lodge. O coração acelera um pouco ao empoleirarmo-nos no desconforto do dorso de um elefante. E lá começamos viagem. O condutor do elefante não fala connosco durante todo o percurso, provavelmente porque não sabe falar inglês. Ao fim dos primeiros dez minutos, começamos a interrogar-nos para onde nos leva, porque no horizonte não se avista nenhuma construção, apenas floresta. O nervoso começa a aumentar. Vinte minutos, e estamos já dentro da selva, o homem pára e aponta para o lado. Ali, pertíssimo, avistamos o primeiro de muitos rinocerontes. A sensação é espanto, mas também de algum receio. Afinal, estávamos ali tão perto de um gigante da selva! Mas logo sossegamos, porque comparativamente ao nosso elefante, o pobre do rinoceronte saía a perder. O condutor segue armado com um pau. Na parte de trás das orelhas do elefante, indica-lhe o caminho a seguir com os pés, tal e qual como se fossem pedais de um automóvel. Para virar à esquerda, um toque na orelha com o pé esquerdo, para marcha atrás, um toque de leve com o calcanhar. Cansados da viagem e atarantados com a viagem inesperada pela selva afora, começamos a vislumbrar, passada quase uma hora (!) umas cabanas. A primeira impressão é desoladora: cabanas de madeira, velhas, com aspecto de ruírem. Esperamos para ver mais, já com uma enorme impaciência e com vontade de ir a pé! Andar em cima de um elefante é um excelente método de relaxamento forçado, porque o animal anda de forma tão lenta, tão lenta que das duas uma: ou nos acalmamos e entramos no ritmo ligeiro dele, apreciando a paisagem e deixando a mente divagar; ou então, ficamos frenéticos e impacientes e só queremos é dali saltar e isso estava fora de questão porque estávamos na selva…
E eis-nos chegados (finalmente!) ao Temple Tiger Lodge! Uma grande recepção!? Nem por isso. Esperava-nos um homem, de aspecto rude e a lembrar um índio da amazónia, com cabelo negro cortado à tigela. Ele e os demais trabalhadores do Lodge usavam roupas verde tropa e todo o cenário de resto nos faria lembrar um acampamento militar.
Enquanto nos conduz para o centro do lodge, que serviria de ponto de encontro para as actividades, reparamos nos bungalows. Nada ali, ao contrário do que esperávamos, parece ter grandes luxos, bem pelo contrário. Mudos, seguimos o homem que segue também ele calado.
Chegados ao centro, manda-nos sentar e começa a discursar começando por dizer que Ali, na Selva há regras e que as regras têm que ser cumpridas. Tem sido assim e assim se têm dado bem.
Arqueamos as sobrancelhas e escutamos as regras: 1) levantar às 05h30 para tomar pequeno-almoço às 06h e depois sair para as actividades. 2) No electricity (aqui o espanto é total e os olhos arregalam-se inevitavelmente!), existindo porém um gerador que funcionaria das 05h30 às 07h da manhã e das 19h30 às 22h00. O mesmo se aplicaria à água quente, sendo que a água seria proveniente dos reservatórios. O resto que se seguiu já pouco interessava que a mente só se detinha naqueles dois dados iniciais, dos quais tínhamos perfeito desconhecimento. ‘’Afinal isto tem 4 estrelas, valha-me Deus!’’.
Fomos conduzidos ao bungalow 120 por um rapaz novo. Aliás aquilo parecia mesmo a tropa, porque os rapazes eram todos novos e o (como lhe víriamos a chamar) ‘’General’’ das ‘’regras’’ era o mais velho e o ‘’manda-chuva’’ dali. Mulheres? Nem vê-las … Só ali trabalhavam homens.
Os bungalows eram muito modestos. Feitos de madeira e com tectos em colmo, tinham um quarto e um quarto de banho. No quarto, uma cama, uma ventoinha que teria pouca ou nenhuma utilidade (dado que como não havia electricidade, só funcionaria nos períodos em que o gerador estaria ligado) e uma cadeira. O mais básico possível. Aproveitamos para descansar um pouco e tentar-nos convencer que, ao contrário do que esperávamos até por comparação com Lodges Sul-Africanos, ali teríamos de fazer um esforço para viver com bem menos condições do que aquelas a que estávamos habituados.
Às cinco em ponto, obedecendo ao General, estávamos no ponto de encontro para o primeiro safari de elefante. Nós e o único hóspede para além de nós. Três gatos pingados, portanto. Partimos em dois elefantes, mais mortos do que vivos devido à viagem anterior e à quase uma hora de elefante que ainda sentíamos no corpo. Mas lá fomos, com espírito e mentes abertas e optimistas de que valeria a pena. A rigorosamente 2,5 Km/h lá íamos 4 montados no elefante: nós, o condutor e o guia (o General) lá íamos. Entre árvores e solos lamacentos, nada parecia ser impedimento para o elefante. Um verdadeiro todo-o-terreno! O céu começava a fechar e ameaçava chover, mas lá prosseguíamos. Começamos então a encontrar-nos com rinocerontes e macacos que pareciam resmungar entre si. Já o tigre, apesar de habitar por aquelas bandas foi o rei da ilusão, verdadeiro mágico que se deixa ouvir, mas raramente ver (e ainda bem, digo eu).
Ao percorrer os trilhos desta floresta densa, focamo-nos apenas na extraordinária beleza da luz que trespassa as árvores, na delicadeza das aves brancas que se empoleiram em ramos secos, na banda sonora de trinados e restolhadas que nos rodeia. De vez em quando um veado pára numa clareira, tão surpreendido como nós, antes de seguir caminho com ar arrogante. Macacos insultam-se nas árvores, e gigantescas teias de aranha, ainda salpicadas de orvalho, lembram colares de rainhas egípcias. Atravessamos “pontes” de troncos caídos.
Patelas de bosta de elefante secam no chão e neles começam a nascer cogumelos!
O sol cai como uma bola vermelha e volta a aparecer igualzinho de madrugada, embrulhado num nevoeiro húmido que faz as árvores pingarem como se tivesse chovido. Tempo de regressar ao Lodge. O primeiro dia fora estafante.
Antes do jantar, travamos conhecimento com o nosso vizinho de bungalow, um british nascido na índia, que trabalhava numa agência de viagens inglesa e que estava ali para avaliar se o Temple Tiger era digno ou não de integrar um roteiro de viagem pelo Nepal que a agência pensava em comercializar. Um tipo simpático. Não houve muito tempo para conversas, dado que estávamos todos exaustos e famintos!
O primeiro duche foi … diferente. Uma aranha de dimensões consideráveis esperava-nos no chuveiro e foi-lhe pedido para se retirar. Como não atendeu ao pedido, não restou alternativa se não enviá-la para o outro mundo. Apenas com um amaciador disponível, porque o Shampoo havia ficado na mala em Kathmandu convictos que o Lodge das 4 estrelas (?!) teria Shampoo e as restantes papariquices que os Hoteis costumam ter, lá nos desembaraçamos.
O jantar foi inesperadamente saboroso! Uma Chicken Cury: pedaços de galinha temperados com caril, acompanhados de arroz branco e legumes salteados. Muito bom. Para sobremesa, saboreamos um pudim inesperadamente parecido com os nossos.
O dia ia já longo e o merecido descanso estava próximo. Antes, tempo para inspeccionar se havia mosquitos no quarto e para torcer o nariz perante os lençóis poídos e mofentos.
O gerador desligou e a noite caiu no bungalow. Tempo para descansar que o dia iria começar bem cedo às cinco e meia da manhã. Lá fora, a selva não dormia e dava o seu concerto nocturno…

quarta-feira, julho 02, 2008

Nameste, Patan!


‘Nameste!’ – cumprimentam-nos dezenas de pessoas à entrada de Patan, local de visita a seguir à Stupa. Chegamos à praça de Patan – a Durban Square - onde nos rodeiam templos hindus e budistas, decorados com esculturas talhadas em madeira e pinturas exóticas representativas dos deuses e animais sagrados. A arquitectura tem como principal matéria de construção a madeira e os edifícios contam já com mais de 500 anos. Alguns deles, parecem frágeis e que a qualquer momento irão desabar, mas lá parecem aguentar-se e vencer o tempo.
Patan é Património da Humanidade e não é difícil perceber o motivo. Laliptur é um outro nome dado a Patan que significa ‘’cidade da beleza’’, e é essa a impressão que fica. A de uma beleza exótica, mas agreste. Não está tudo bem tratado, bonitinho para turista ver. Pelo contrário, está tudo ali em bruto: sejam os edifícios, sejam as gentes. Pessoas humildes, novos e velhos, passeando-se com a lassidão imposta pelo calor abafador. Uma grande parte aproveita e senta-se nas escadas dos templos, em atitude contemplativa ou de quem não tem mais nada para fazer. Outros agacham-se numa estranha forma de se sentar no chão e ali ficam, horas a fio, a ver outros a passar. As faces bronzeadas e curtidas pelo sol revelam-nos as idades das pessoas, porque em termos físicos, novos e velhos quase que nem distinguem. A maioria, de estatura média, corpo esguio e franzino imposto pela refeição racionada à base essencialmente do arroz que produzem. Ao percorrermos as ruas de Patan deparamo-nos com colossais estátuas em pedra. Apercebemo-nos também que a economia da cidade assenta no comércio, turismo, arte e souvenirs e, também na agricultura. Em jeito de piada, o guia comenta que no Nepal existem três religiões: ‘’Hindusm, Budhism and Tourism!’’
E não deixa de ser verdade. Ainda que não sejamos ininterruptamente incomodados com pessoas a quererem vender-nos coisas, o facto é que muitos nos abordaram com variados produtos artesanais. Não era fácil descartar-nos e acabamos por nos render ao encanto de duas meninas com cerca de 7 anos que, todas contentes, levaram umas notinhas e nos deixaram ficar com umas bolsas feitas à mão. Em Patan, aliás como em todos os restantes locais que visitamos, não foi difícil esvaziar as notas da carteira. Não porque andássemos sempre a comprar coisas, mas porque algumas pessoas nos estendiam as mãos como quem pede para poder comer … E com apenas dez cêntimos (!) lá iam todas contentes. Dez cêntimos no Nepal já é dinheiro. Cá é estorvo na carteira, cascalho … A perspectiva sobre riqueza e pobreza altera-se completamente perante esta realidade.
Entre pagodes e palácios, houve ainda tempo para visitar o Templo da Deusa Kumari, a casa da única Deusa viva da religião budista. Kumari é representada como a Deusa da Virgindade e personalizada por uma criança que, desde muito pequena, é fechada literalmente no Templo só tendo direito a duas aparições públicas anuais, durante os festejos em sua honra. Quando a Deusa fica menstruada pela primeira vez, perde o seu título, abandona a Casa e dá lugar a uma outra nova criança endeusada. Assustador é o método de selecção da Deusa: ao que parece, a criança é fechada num quarto escuro no sentido de testar a sua reacção. Se não se assustar, gritar ou tentar fugir, significa que é uma Deusa com o poder de afastar os terríveis espíritos malignos. É difícil manter-nos acríticos perante esta história. Tão ou mais chocante ainda foi passar numa das ruas e deparar-nos com um búfalo decapitado, ainda a estremunhar. Uma cena terrível de se ver e que para os nepaleses representa um momento de solenidade, um sacrifício que serve de oferenda aos deuses.
Regressamos ao carro, carregados de fotografias e de alguma agitação. No momento em que saíamos da Casa da Deusa Kumari, uma velhinha com pouco mais de um metro de altura estende as mãos a pedir-nos dinheiro para comer. Já de carteira vazia, apenas restou-nos dar-lhe uma barra de cereais que trazíamos connosco. De repente, os que a rodeavam desataram a rir e foi um momento de chacota generalizada. Ficamos sem reacção … mas ela safou-se melhor que nós, olhou desolada para barra, desembrulhou-a e comeu-a. Pelo menos, ficou com o estômago mais composto - pensamos.
Seguimos para o Hotel, já dentro do carro, e agora com uma atitude já bem mais descontraída face ao caos do trânsito. Passamos no Palácio do Rei, ou melhor, do ex-Rei que em Maio se mudou voluntariamente do Palácio, obedecendo assim à vontade popular do Nepal se tornar numa República. Ao que nos disseram os guias, a transição do regime estava a ser pacífica e a esperança na melhoria das condições de todos era grande.
Dentro do carro, sussurramos que uma boa ideia era já enviar para o Governo uma petição para colocarem caixotes de lixo na cidade. Por mais simples que esta medida pareça, a realidade é que em Kathmandu não existem caixotes de lixo. As lixeiras amontoam-se ao longo das ruas, de forma intermitente. As vacas e os mosquitos agradecem certamente, mas os nossos narizes contorcem-se de dor!
Regressamos ao Hotel e nessa noite saboreamos a cozinha indiana. Um misto de carne de porco e de galinha, misturado com molhos com caril e arroz branco. Delicioso!
Era tempo de fazer a mala e reunir o essencial. Para já Kathmandu e os seus segredos ainda por revelar ficariam para trás. No dia seguinte, partíriamos bem cedo rumo a Chitwa

n, rumo à selva.


Na foto: Patan (Durbar Square)

Fotos Swayambunath e Moínhos de Oração





terça-feira, julho 01, 2008

Om Mani Padme Hum - Stupa de Swayambunath

O dia nasceu em Kathmandu enquanto Portugal ainda dormia. Após o pequeno-almoço, esperamos no lobby pelo nosso guia. Era nepalês, mas ao contrário da maioria, falava connosco em espanho em vez de inglês. Pessoalmente, preferia o inglês e mais tarde o faria falar comigo nessa língua, mas por ora, a confiança ainda por ganhar, limitava-me a escutá-lo sem - confesso - perceber algumas das coisas que dizia ...
Seguimos, então, para a primeira visita. Iríamos à Stupa de Swayambunath, o mais importante templo budista. Esta Stupa está para os budistas como Meca para os muçulmanos – informa-nos o guia, que logo a seguir nos pergunta qual a nossa crença religiosa.
Para lá chegar, fomos de carro e chegados a uma encosta, subimos uma interminável escadaria de mais de 300 degraus. À medida que aumenta a altitude respiração começa a ser custosa e náusea começou a sugir, mas tentamos ignorar os sinais do corpo.
Lá no alto, ao centro, erguemos a cabeça e no alto deparamo-nos com os Olhos de Budha, em cada um dos quatro cantos da Stupa, como que representando o olhar constante a este, oeste, sul e norte. Segundo a crença, os olhos tudo vêem, nunca dormem. No lugar do nariz, aparece antes um ponto de interrogação que é actualmente o representante do número um e que simboliza união e a única forma de alcançar a iluminação através dos ensinamentos de Buda.
Esta Stupa com cerca de 2 mil anos recebem peregrinos de todo o Mundo que rezam ao seu redor, percorrendo-a da esquerda para a direita, enquanto tocam e fazem girar os moinhos de oração – uns cilindros de aço com rezas budistas inscritas colocados nas paredes a toda a volta da Stupa. Esta foi a primeira grande surpresa: constatar o total despojamento. Reza-se ali, ao redor de uma construção em pedra, sem ornamentos, sem ouros, sem estátuas. Queima-se uns incensos no ar, oferecem-se flores e reza-se. Repete-se no ar um famoso mantra budista ‘’ Om Mani Padme Hum’’ que significa, viríamos mais tarde a descobrir, "A jóia da compaixão no lótus do coração" e que representa a pessoa do Dalai Lama. Este será um dos mantras mais poderosos usados no mundo. Os budistas acreditam que terão acesso a uma melhor vida na sua próxima reencarnação quantos mais mantras disserem e acreditam que cada reza presente em cada moinho que é girado pela sua mão, conduz essas rezas até ao céu.
Em redor da Stupa sobressaem estátuas coloridas de Buda, na sua pose habitual de meditação e de perna cruzada. Swayambunath é também conhecida como The Monkey Temple e de facto, na descida, encontramos vários macacos com as suas crias. Não me pareceram de temperamento muito fácil, por isso mantivemo-nos à distância.
A vista panorâmica que se tem da Stupa é de cortar a respiração. As colinas enchem-se de cor com as centenas de bandeiras de oração budistas que caem desde o alto da Stupa até cá abaixo. Cada cor representa um dos 5 elementos naturais. As bandeiras agitam-se com o vento e deixam-no levar as orações para longe …
Ao nosso lado, uns vinte monge tibetanos, grandes e pequenos. Em cada família é esperado que um dos filhos se torne monge budista pelo período mínimo de 6 meses, sendo que depois pode optar pela continuidade ou não. São crianças risonhas, como as outras. Com os olhos rasgados, a cabeça rapada e os pés descalços, apetece, inesperadamente, abraçá-las.
Aqui começamos a entender porque motivo muitos dizem que a sigla para N.E.P.A.L. poderia bem ser Never Ending Peace and Love: lá no alto no vale de Kathmandu, a par com o ar puro, parece respirar-se os ares de paz das orações e da fraternidade.
Em baixo algumas fotos da Stupa e no link pode ouvir-se o mantra e ver as bandeiras de oração a bailar com o vento...


















Kathmandu: a cidade-smog


O acolhimento no Hotel Everest não podia ter sido mais amistoso. Na recepção somos recebidos com um sorriso sincero no rosto, com um copo de sumo de manga bem fresco e, devido à condição de recém-casados, ainda somos mimados com um colar de flores artesanal. No lobby seis a sete empregados olham-nos nos olhos e sorriem enquanto preenchemos a ficha habitual e logo aí se nota a diferença. Nos últimos hotéis em que estive, quer em Portugal, quer em Espanha, não me recordo desta simpatia colectiva. O que acontece mais vulgarmente é o evitar dos olhos no olhos, a menos que essencial. Subimos para o quarto e somos invadidos por uma sensação de cansaço e de êxtase! Deixamo-nos cair de costas em cima da enorme cama e logo escutamos o som dos milhentos pombos que circundam o Hotel.
‘’Estamos no Nepal!’’ – dizemos eufóricos, tomando real consciência do local remoto, tão longínquo e que até bem pouco tempo atrás era apenas imaginado entre suspiros.
Abrimos as cortinas e deixamos os olhos passear pelo emaranhado de casas que enchem o cenário. Não se trata de um cenário de modernidade, bem pelo contrário. Vemos que as construções estão debilitadas e imaginamos que as carências são mais do que muitas. Ainda assim, a imensa cordilheira rodeia Kathmandu e o fantástico azul do céu fazem-nos esquecer rapidamente o mundo real. Apetece ter asas e voar!
No frigorífico do mini-bar mais um delicioso mimo: deixaram-nos um Bolo com ‘’Congratulations’’ escrito. Mais um cesto de fruta e umas bolachas, chás e cafés … Que mais poderíamos desejar?
Antes da noite cair, ainda nos aventuramos a calcorrear as ruas. Não fomos muito longe, contudo. Saímos confiantes do Hotel, virando à esquerda como nos sugeriu o simpático ‘’Bell Captain’’ e logo nos deparamos com o evidente problema de saneamento da cidade. Esgotos a céu aberto. Tentando não respirar, lá atravessamos o local mesmo ao lado do Hotel dos luxos, em passo apressado. Ao caminharmos novamente em passo lente damo-nos conta da correria que vai na cidade. Um mar de gente caminha apressada na rua, em todas as direcções possíveis! Andamos na defensiva, ou seja, evitando esbarrar nas pessoas ou nas barraquinhas de comida, ou nos tapetes de revistas e de jornais espalhados pelo chão e que servem de leitura a um pequeno aglomerado de homens. Perversamente, aproximamo-nos do local e abaixo-me como se estivesse a ler e a perceber as frases de manchete. Na verdade, quero apenas que me vejam, mulher, ali onde pelos vistos, não seria suposto estar. Talvez um lado feminista a emergir … Mais adiante, um cruzamento e uma verdadeira confusão. No centro do mesmo, um aperaltado sinaleiro gesticula incansavelmente, a par de semáforos. Não consigo perceber a quem os condutores respeitam mais, porque simplesmente todos se movem em todas as direcções possíveis! O caos! Apercebemo-nos de que os táxis em Kathmandu são motocicletas a cair de velhas mas que nem por isso deixam de transportar uma meia dúzia de pessoas. Olhos negros e profundos de uma rapariga observam-me de dentro de um deles. Olho também para ela, com a protecção dos óculos de sol. Talvez observe os meus corsários de ganga, tão raros de se ver em mulheres.
O desafio que se segue é atravessar para o outro lado da rua. Os carros parecem não ter travões e as pessoas lançam-se à estrada num ‘’seja o que Deus quiser’’, seja esse Deus Budha ou Shiva ou mesmo o nosso… Antes de atravessar reparo num mulher que passa e que toca no rabo de uma das muitas vacas que se passeiam pela cidade, em poses de superioridade divina. Benze-se e segue caminho. Uma cena caricata de devoção. Andamos um pouco, não muito porque o ar começava a tornar-se irrespirável. A caminho, meninos e meninas de uniforme cruzavam o nosso caminho e é verdadeiramente impossível deixar de sorrir e de sentir empatia com estes pequenos. Uma delas aborda-nos com um rasgado ‘’Hello!’’
e aproveitamos a oportunidade para conversar um pouco com ela e, claro está, para tirar a fotografia da praxe. Pergunto-lhe se lhe posso colocar o meu braço no ombro dela, ela encolhe os ombros e consente. No momento seguinte, olho-nos às duas e não consigo deixar de reparar que não só passava bem por nepalesa como por colega de uma miúda que não teria mais que os seus catorze anos!
Respirar começava a ser custoso e começamos a perceber quão poluída é a cidade. Os carros sendo velhos e não tendo catalisadores libertam autênticas bolas de fumo negro para o ar e o facto de a cidade estar rodeada das montanhas aumenta o efeito de estufa e o ar não purifica. Muitos andam de máscara. Muitos entre os milhentos, que o Nepal tem claramente um problema demográfico. Basta olhar em redor: pessoas e mais pessoas e ainda mais pessoas. Dizem-nos que são 25 milhões numa área inferior à de Portugal! E isso salta à vista!
De regresso ao Hotel, tempo para um rápido banho e para um Jantar no restaurante Chinês situado no terraço do ultimo piso do Hotel. A escolha recaiu numa sopa carregada de pimenta e com queijo, acompanhada de galinha com legumes. A primeira de muitas delícias… Debaixo já do imenso luar, vemos Kathmandu à nossa frente. Apenas se vêem as luzes das casas, porque simplesmente não existe rede de electricidade pública. Eles parecem não se importar e nós também não.
No dia seguinte, bem cedo, começaria a verdadeira descoberta da cidade-smog.

Rumo ao Nepal Exótico: voo até ao vale

Ouvi algures um dia que, ao nascermos, são os nomes que nos escolhem e não o contrário. O mesmo parece ter-se passado com este destino. Quase que por intuição mútua deixamo-nos embalar numa promessa de misticismo, aventura e exotismo, e marcamos viagem.
O primeiro voo, Porto-Madrid, serve para relembrar o roteiro de viagem traçado em apenas duas folhas pela agência de viagens. Primeiro, iríamos para Kathmandu, seguidamente para Chitwan, depois para Pokhara e aí então regressaríamos a Kathmandu. Nesse momento, apenas nomes e uma enorme expectativa. No pensamento, ainda dançavam memórias recentes do nosso Dia, misturadas com uma enorme ânsia de chegar ao nosso destino.
O segundo voo duraria bem mais que os meros cinquenta minutos até Madrid. Seguíamos rumo a Doha, principal cidade do reino do Qatar. A bordo de um gigante aéreo, passamos de um ápice da noite para o dia, como que de um salto no tempo se tratasse. Bruscamente, já durante o sono, acordam-nos para tomarmos um pequeno-almoço inesperado e quase colado ao jantar que nos haviam servido, abrem-nos as janelas e quase que nos cegam com a luz forte do exterior. Adiantamos os relógios cinco horas e começamos, ainda que com dificuldade, a convencer-nos de que é mais que hora de acordar (embora o nosso corpo se contorça de preguiça e os olhos teimem em fechar). Houve tempo para ver uns filmes a bordo, com a possibilidade de cada passageiro poder seleccionar o que mais lhe agradava. O título do filme: ‘’Breakfast at tiffany’s ‘’ foi mais ‘’Breakfast at Qatar Airways ‘’, onde os luxos também abundavam, ainda que viajássemos em económica.
A chegada ao Qatar foi quase uma bênção! Poder esticar o corpo! No percurso feito de autocarro até ao aeroporto sentia-se uma bafo de ar quente, reparávamos no solo árido e poeirento e ao longe nos edifícios imponentes e espelhados, a lembrar o Dubai, ou não estivéssemos nós numa cidade de árabes senhores do petróleo.
Ao passarmos o controlo policial, entramos num autêntico centro comercial de luxo. Os corners fazem lembrar o El Corte Inglés, com um cantinho para a Swarovski, outro para a Bulgari, outro para a Chanel, etc, etc … Aqui existe muito dinheiro a circular dada a quantidade de pessoas que se vê a comprar. Não deixa de ser caricato ver mulheres de burca negra a comprar produtos de maquilhagem. Presume-se que para usarem dentro de casa – exactamente ao contrário da ideia ocidental. A completar o cenário da ostentação, um BMW topo de gama está estacionado bem no centro do ‘’shopping’’ e é polido a cada segundo por um homem. Provavelmente, um sorteio …
Aproveitamos a espera para dormitar nos bancos do aeroporto, porque o sono não se engana assim tão facilmente…
Entramos a bordo do voo do último voo. Neste momento, a descolagem perde toda a formalidade que tivera nos voos anteriores. A impaciência é já alguma. O avião é já bem menor e a bordo vêem-se já pessoas com traços exóticos, asiáticos. Estamos a caminho de Kathmandu e a ansiedade cresce mas aguentaríamos ainda cerca de cinco horas até ao momento em que aterraríamos entre as montanhas.
Entramos no aeroporto e logo nos apercebemos da falta de recursos. Se o de Qatar era colossal, este é pequeno, velho e abafado. Os pouquíssimos computadores que se vêem são IBM’s pré-históricos, sujos do tempo. Preenchemos os inúteis questionários para estrangeiros cujos dados sabemos que nunca irão ser tratados. Papel desperdiçado verdadeiramente. Recebe-nos um senhor que verifica os nossos passaportes e que em troca de 30 dólares por cada um nos concede visto para os sete dias que ficaríamos.
‘’- Portugal? Oh, football! – diz ele e não seria o único …’’
À saída uns fulanos de uma agência dão-nos as boas vindas e repetem a mesma ladainha quando nos identificamos como portugueses. Desejam-nos boa estadia e dão-nos um mapa da cidade.
Já cá fora, esperava-nos o Sr. Omkar , representante local da nossa agência. E eis-nos num carro a caminho do nosso Hotel Everest, naquela que seria a nossa primeira e louca experiência de condução nepalesa: carros vindos de toda a parte, desenfreados, parecendo ignorar a presença dos outros, vacas no meio da estrada como se nada se passasse em redor, um uso abusivo e quase proibitivo da buzina, uma enorme nuvem de fumo vinda dos escapes das sucatas ambulantes que enchem as ruas da cidade, polícias sinaleiros plantados a cada esquina gesticulando sabe-se lá bem … enfim, uma anarquia total em espécie de salve-se quem puder. Pelo caminho, o carro da frente resolve inverter marcha e fá-lo no momento, sem qualquer impedimento nem preocupação. Qual separador de via, qual rotunda, qual quê?! Em Kathmandu tudo parece ser possível! Em breve, seríamos surpreendidos com novidades.