quarta-feira, abril 30, 2008

Parte última - Ilha Tentação







Sentei-me junto dos engenhos que tornam possível beber a natureza pelas folhas de chá e caminhei pelos trilhos de plantações. Afinal era através das leis da física, e do homem, que a seiva da folha era espremida tornando-a seca e quebradiça. Fiquei a ver a pequena alma de cada folha evaporar-se para o mundo ao ser lançada nos grandes recipientes finais. O chá não tem seiva afinal. Mas faz crescer a que nos corre cá dentro.




Inundada pelas visões de lendas e estórias, avistei as lagoas irmãs que reflectiam o mundo. Nas Sete Cidades encontrei as nove estrelas dos Açores, pérolas colocadas no mar por uma deusa sorridente. Estavam suspensas no céu do café onde conversei com os ingleses, os alemães e os chineses. Cabe um mundo inteiro encaixado na cratera deste vulcão.



Já na cidade, os habitantes engalanavam as ruas forrando-as de flores compostas em padrões geométricos, criando o percurso pelo qual a procissão seguiria. O Senhor Santo Cristo surgiu no meio da multidão expectante e, debruçado sobre si, lembrou aos Homens que o mundo é feito de dor também. Desviei o olhar. Não quis concordar com ele e fugi para o porto em busca de consolo com a vista da cidade pelo lado oposto.


Fui ter ao coração dos pescadores e no meio dos barcos avistei os dizeres do povo. Mais tarde, encontrei-me no largo da matriz. Inspirei fundo enquanto degustava uma queijadinha da vila e, relaxando, escutei ao longe os cânticos do povo que saudava a imagem do santo. Rodeada por tanta devoção não consegui evitar sentir-me uma pecadora. Esta ilha é uma tentação… Que o diga S. Miguel, o arauto da divindade e príncipe dos exércitos celestiais. Com a sua armadura brilhante, com lança e espada em voo como que mergulhando no dragão infernal, olha-nos dos azulejos nas paredes com ar decidido. Por mim ali me fiquei. Já faltava pouco para me despedir desta lágrima de basalto mágica…

Parte IV - Gente feliz, lágrimas salgadas

Todos os habitantes pareciam ter uma couraça, duros, reservados, como quem sabe que a terra magnífica que pisam é um dos lados do espelho de um mundo basáltico.
Em Rabo de Peixe percebi o que João de Melo escreveu em Gente Feliz com Lágrimas. Vi sorrisos luminosos vestidos de trapos sujos e grandes partidas de futebol com embalagem de plástico vazias. Percebi depois que não tive coragem de os registar na película digital. Eram demasiado reais e transportaram-se para a viagem quase mortal que as personagens do livro viveram na navegação da ilha para o continente, “quase sem alimento, com o abominável cheiro dos barcos metido no estômago e nos pulmões, quem sabe mesmo se dentro das veias”. Mas estas pessoas estavam na ilha ainda, aprisionadas numa vida em terra, ao serviço dos barcos.
Abandonei a vila com uma grande tristeza. Mas acenei sorridente enqanto me despedia da menina que se agitava dizendo-me adeus. Ela sim, era um farol.

Parte III - De como me senti imensamente frágil perante o hálito quente da bruma


Parte II - Âncoras

Âncoras são abraços.

Parte I - Em terra de corsários






Em terra de pescadores, os dias pareceram longos e pensativos.

Deslizando pelas ruas da cidade, as histórias contadas nos rostos que me olhavam levavam-me para o tempo em que os corsários irrompiam nos fortes e os maiores tesouros eram trocados por sonhos por mercadores da alma.
Debrucei-me sobre a vida em cada miradouro, enquanto sugava o mar e o céu com o olhar. Os gritos das gaivotas lembravam-me que o pedaço de terra que pisava era feito de um vulcão que cuspira as entranhas da terra.


Ao se encrostarem nessa terra de lava sólida, os habitantes sabiam que os desígnios dos deuses eram tremendos e secretos. Assim, por toda a ilha pululam as imagens dos santos que me segredavam à passagem nas ruas estreitas e escuras de basalto.

E os deuses, lá onde estão, gravitando em torno do humanos como quem anseia tramas e enredos, envolviam-me lenta mas solidamente desde os cumes das árvores neste desejo de histórias.
Ponderei a minha âncora, a minha memória, e o sorriso cresceu dentro de mim. Era farol, era navio, era o mar.

quinta-feira, abril 24, 2008

E está tudo dito.

Por um olhar, um mundo;
por um sorriso, um céu;
por um beijo...
não sei que te daria eu.

Gustavo Adolfo Becquer

quarta-feira, abril 09, 2008

Porto Cool

http://oportocool.wordpress.com/

Um site muito cool sobre a cidade mais linda do mundo, o Porto, claro está.
Vale a pena.

terça-feira, abril 08, 2008

Rio-Mar

E então, mesmo quando passava junto do meu anjo da ribeira, a gaivota planou junto a mim e gritou. Um grito agudo, claro, que me despertou.
Olhei-a admirada mas ela agia como se já tivesse cumprido a sua função. Planava ainda, no entanto, altiva, mesmo junto a mim.
Gritou de novo. E então percebi. Os barcos agitados sussurravam entre si apreensivos. Os seus nomes ondulavam com força e mesmo a “Maria da Nazaré” parecia pronta a zarpar a qualquer momento.
Do outro lado do mundo, o mar elevava-se indignado, espumava-se e debatia-se contra a torre de chapéu vermelho iluminado. Vi novas gaivotas clamando calma e também eu me agitei por dentro.
No meio, mesmo no limiar do espelho que me transportava entre mundos, lá estava ele. O Rio-Mar.
Olhava-me prateado, orgulhoso e parecia sorrir de forma provocadora. Formava pequenas ondas e estava grávido até à estrada.
O rio queria ser mar nesse dia e a natureza parecia zangada.

Na Cozinha com Carminho

Carminho descobriu recentemente um gosto, sabe? Pois bem, o gosto de cozinhar.
Entrar na cozinha e criar verdadeiras obras gastronómicas! Explorar novos sabores, arriscar variados condimentos, atrever-se com autênticas iguarias!!
Deixar-se inebriar com odores apimentados, por vezes exóticos, outras até afrodisíacos!
Mas, do que Carminho gosta verdadeiramente é da leveza que se apodera de si enquanto cozinha.
Não pensar em nada que não naquela receita em particular. Tudo o resto fica à porta da cozinha, com entrada barrada.
Ora, estava Carminho no passado Domingo, entretida nas lides culinárias e vai daí resolve fazer uma sobremesa rápida, simples e saborosa: a bela da gelatina!
Estava particularmente entusiasmada porque tinha comprado uma de um novo sabor.
Quem já fez gelatina, sabe que cada caixa traz duas saquetas.
Como uma saqueta dá pouquinha gelatina, toca a abrir as duas e a juntar à água quente o ditos pozinhos!
Satisfeita, Carminho colocou-a no frigorífico para solidificar…
No dia seguinte, após o jantar sorriu com a ideia de ir finalmente provar e dar a provar a sua gelatina.
Trouxe-a para a mesa servida em tacinhas.
À primeira colherada, disse Bilha:
- Está esquisita não está?
- Lá está você! Mas ... sim, está – respondi Carminho, com a testa enrugada e não com o sorriso de satisfação que esperava ter.
- Hum … juntaste as duas saquetas?
- Sim, juntei. Assim deu mais gelatina, dá para mais dias, que eu sou muito ocupada, sabe?
- Mas esta junção não está nada boa. Não deve ser suposto juntares a saqueta do tutti-fruti com a saqueta da framboesa. É suposto fazeres duas gelatinas separadas e depois se quiseres, juntares cubinhos de um sabor com cubinhos do outro sabor.
- Ah, mas ... mas eu pensei que as saquetas eram iguais, que vinham os sabores misturados!
- Ó Carminho, se fosse assim, chamava-se apenas tutti-frutti, não é?

Ora bem … Carminho gosta de não pensar em mais nada enquanto cozinha, mas daí a ter tanta limitação de neurónios a funcionar, já é demais!
Restou esconder-se debaixo da mesa, envergonhada!