quinta-feira, abril 06, 2006

Fernando......

- Então, diz-me lá porque é que nunca mais tive notícias tuas? Não voltaste a telefonar? Nem uma mensagem quando o Sporting ganhou o jogo? Até parece que me andas a evitar?....

As palavras de Fernando estavam a começar a desconcertar Ana, que sentia a fragilidade do seu aparente estado de calma. Decidira enfrentar este encontro muito contrariada, mas não queria –nem podia – deixar transparecer rancor. Muito menos poderia deixar Fernando associar esse estado de espírito e de sentimentos ao último encontro de ambos. Era uma questão de orgulho, acima de tudo, não podia dar a Fernando essa vitória.

- Evitar-te? Se calhar… Na verdade não me apetecia ver-te e muito menos ter de falar contigo.

E assim em segundos o plano da Ana de parecer calma, distante e indiferente ficou arruinado. Já estava habituada a estes deslizes e sabia que teria de lidar com o orgulho ferido.. mas isso ficava para mais tarde.
– Não me querias ver?? Porquê? Então Ana, francamente pensava que éramos amigos! Tudo bem que não estamos juntos todos os dias – longe disso até – mas a nossa amizade não era sólida!?
- A displicência com que dizes isso, Fernando, só vem confirmar, que afinal eu tinha, e tenho, razões para não me querer sujeitar a estas situações. Mas queres mesmo saber o que se passou, não conseguirás perceber por ti?
O silêncio de Fernando irritou Ana profundamente. Retirou os óculos de sol verdes e olhou-o de frente …
- Pois bem, aqui vai... Naquela noite jogaste muito sujo comigo! E eu não tive hipótese de me defender, de me salvaguardar das consequências do teu ardiloso jogo, porque estava com um amigo e não tinha as minhas defesas activadas. E tu desfraldaste a minha confiança em ti. Não foi justo teres agido comigo daquela forma, como se eu fosse mais uma das tuas conquistas de uma noite. Tu sabias que comigo não se joga assim: eu não começo jogos que não pretendo levar até ao fim!! Tinhas obrigação de o saber.. e se sabias porque começaste o jogo do rato e do gato comigo? Charme para cima de mim? Constantes investidas? Não era suposto eu reagir: sou mulher e tu és um homem muito atraente… Raios… E porque é que depois daquilo tudo disseste à frente de todos que queriam ouvir, que havia pessoas que não valiam a pena!? Como se eles não percebessem a indirecta!!? Porquê? Porque não resististe à tentação de me seduzir? E de me humilhar? Nos últimos 5 anos passei por inúmeras situações em que tive de resistir ao facto de não me seres indiferente. Mas a verdade é que a partir do momento em que estabelecemos que seríamos só amigos – como tão sabiamente sugeriste no inicio da nossa amizade – eu nunca mais pensei em agir de outra forma. Antes do nosso acordo tu podias ter conseguido a tua noite comig e já podias juntar ao teu álbum…. Mas nessa altura não quiseste e ficou claro para mim como nos devíamos comportar a apartir daí. E agora tanto tempo depois porque agiste daquela forma? E que achavas? Que tava tudo bem?....
Ana estava cansada de falar…..
Suspirou e respirou fundo..
Fernando não foi capaz de a olhar, pois o eco das palavras de Ana era forte. Sentia que algo se tinha irremediavelmente perdido. Ele já suspeitava que Ana talvez tivesse saído um pouco melindrada daquela noite clara e quente de Maio. Porém, achava que o tempo permitiria esquecer aquele episódio e que meio ano depois aquele obstáculo poderia ser facilmente ultrapassado sem necessidade de o mencionar.
A verdade era que a relação de Ana e Fernando sempre tinha estado entre aquele ténue limite que separa a amizade de algo mais íntimo. A atracção física estava sempre presente entre eles, mas após um percalço inicial resolvido por Fernando com muita integridade, os dois tinham assumido uma amizade sincera e sólida com conversas cúmplices e desabafos frequentes.
Fernando tinha noção do seu poder de atracção: alto, bem constituído, olhos negros que projectavam um olhar intenso e uma conversa daquelas que até as estátuas convence! Sabia que Ana lhe achava piada, mas para ele era muito mais importante tê-la como amiga permanente do que conquista momentânea, pois apesar de não o assumir da mesma forma que Ana também ele se sentia atraído por ela. Mas sentia que ela era especial: uma mulher sensual, inteligente, que assumia o que sentia e pensava, plenamente capaz de alinhar nas paródias dele e de o escutar, mesmo quando os desabafos eram sobre a última conquista. Por isso lhe agradava saber que Ana estava à distância de um telefonema, e que podiam conversar pela noite dentro sem necessidade de recorrer a máscaras.
No entanto, naquela noite de Maio, em que Ana não estava nem mais nem menos interessante que o costume, Fernando não se soube conter! Ana estava à luz daquela noite quente simplesmente apetecível: queria beijá-la, abraçar aquela cintura delineada e envolver aquela mulher há tanto tempo presente na sua vida e nunca sentida como mulher que era.
Meses mais tarde Fernando estava a perceber as consequências de ter montado uma teia que rebentou no lado mais fraco. Agora que se via forçado a pensar naquela noite começava a não compreender porque tinha agido daquela forma.
Nesse momento chegaram à mesa os cafés… e depois de beber o dele num gole só, Fernando disse a Ana:
- Lamento muito Ana… só agora me apercebi que te magoei…
- Eu também lamento… mas principalmente lamento que não me consigas dizer isso enquanto me olhas nos olhos… e que não tenhas uma motivo para o teu comportamento infantil e baixo nível daquela noite. Pelos vistos era só um capricho….
E pegando na sua carteira Ana levantou-se, colocou uma moeda na mesa para pagar o café e afastou-se num passo decidido.
Fernando sentia-se insuportavelmente baralhado….
Olhou o mar….
… Nas colunas da esplanada os Radiohead cantavam “Fake plastic trees” … sorriu forçadamente ao perceber que ele não passava de uma falsidade: não tinha tido coragem de se assumir… nem como amigo nem como amante. Quisera tudo e ficara com nada…
Compreendeu que não voltaria a ouvir o riso deliciosamente espontâneo de Ana que se perdia naqueles irresistíveis lábios vermelhos ….
Pensou: “Porque é que de repente sinto que tenho de a ter, de a abraçar, de a beijar!??”…. E percebeu que tinha sido isso mesmo que tinha sentido naquela noite de Maio… só que a fanfarronice e o exibicionismo junto dos colegas falara mais alto…. Tornou-se claro que ele e Ana nunca poderiam ter continuado amigos….
Enquanto existisse aquela fome por satisfazer, aquele querer que o consumia e o agitava…
E se alguma vez fossem até ao fim a amizade ficava abalada demais para recuperar…
Percebera agora… só lamentava não ter sido capaz de se afastar de Ana de uma forma mais digna: tinha feito sofrer a única mulher que nunca o faria sofrer deliberadamente!
Mas era tarde, muito tarde…
Agora não podia ter Ana a amante, nem Ana a amiga, nem Ana a namorada, nem Ana a confidente, ……
Restava, mais uma vez, só ele… só Fernando….
Suspirou… estava só….
Aliás, continuava sozinho……
Fernando… Fernando… Fernando….
Era a voz de Ana numa das confidências antigas feitas pela madrugada que ecoava …..

1 comentário:

Madalena disse...

E quando acreditamos que a nossa memória está a adormecer ou ja adormecida, surge a menina com um texto destes!!!

Pois bem!!! Despertou!!! E voltou a recordar memórias escondidas e muitas vezes camufladas, entre risos forçados e alegrias falsas.

Ainda assim gostei do texto!!! Suspirei quando terminei de o ler e permiti que por momentos tudo fluisse, novamente e novamente......

À dias que não o fazia!!! Pena só de não ter dito, como a Ana o fez, tudo o que me vinha na alma.

Mas agora já não interessa!!!