quarta-feira, julho 25, 2007

O que há em mim é sobretudo cansaço

Adoro este poema de Álvaro de Campos. Acho que é uma verdadeira obra prima e retrata na perfeição o dilema em que o heterónimo vivia permanentemente, chegando por vezes a ser confundido com o Ortónimo. Como resposta a este poema, o heterónimo criou mais um belíssimo texto...aguardem.



O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada.
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...

Álvaro de Campos

4 comentários:

Ivana disse...

Amar infinitamente o infinito... Deve ser esse o segredo. Ainda que possível, é terrívelmente pouco. Percebes?

Ivana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ivana disse...

Correcção: amar infinitamente o finito. Assim é que é. Ainda menos...

Unknown disse...

A subtileza das sensações inúteis

Ou não.............