quarta-feira, julho 18, 2007

Catar conchinhas na praia....

Este excerto do Rubem Alves é delicioso ...

« As praias, no Inverno, são mais bonitas. No Inverno, as praias são lisas, solitárias. Quase ninguém. Parece que os homens têm medo da solidão. Gostam mesmo é do falatório, do agito, do som... Prefiro a música do mar e do vento porque ela faz eco na minha alma. Não se ouvem vozes humanas. Apenas o pio dos pássaros. E os pensamentos vêm mansamente.
Águas vivas mortas – seria inútil jogá-las no mar novamente. Eram bonitas vivas, flutuando transparentes... Caranguejos de olhos saltados, andando de lado, fugindo para os buracos na areia. Parecem-se com certas pessoas que não conseguem andar para frente ... Catar conchinhas... Eis aí uma deliciosa brincadeira para quem deseja ser escritor.
A alma é um grande mar que vai depositando conchinhas no pensamento. É preciso guardá-las. Quem deseja ser escritor há de aprender com as crianças a catar conchinhas, pensamentos avulsos como esses com que estou brincando, e guardá-los num caderninho.
De Camus, o livro que mais amo - e por isso mesmo releio sempre - são os seus Cadernos da juventude. Ali, ele anotava o vôo dos pássaros, uma trovoada, uma nesga azul no céu de tempestade, uma citação que lhe vinha à cabeça, um diálogo entre marido e mulher. Nietzsche também coleccionava conchinhas que ele transformava em aforismos. O problema com os aprendizes é que eles pensam que literatura se faz com coisas importantes. O que torna a conchinha importante não é o seu tamanho mas o facto de que alguém a cata da areia e a mostra para quem não a viu: “Veja...” Literatura é mostrar conchinhas... »

Rubem Alves

2 comentários:

Anónimo disse...

A high-quality article

Unknown disse...

Ao comecar a ler este post estava longe de imaginar que ia concordar tanto com este senhor. Primeiro com o que ele diz da praia de Inverno (de uma beleza brutal e superior). E depois sobre escrever. Sim, as palavras escritas foram maiores nos momentos de grande simplicidade!!