quarta-feira, novembro 05, 2008

"Não sei quantas almas tenho"

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.

FERNANDO PESSOA (1888 - 1935)

1 comentário:

Betty disse...

Quando estudei Fernando Pessoa no secundário senti-me uma ignorante, porque não percebia o que ele queria dizer... a professora explicava, eu esforçava-me, mas não ia lá. Decorava os apontamentos, chegava aos testes e era ver-me a debitar a matéria.
Agora percebo porquê. Não tinha maturidade nem experiências de vida suficientes para entender tão complexo(s) ser(es).
Hoje sou eu que estou do outro lado e tento mostrar aos meus alunos que com o tempo irão entender tão belos textos e talvez identificar-se com tão belas palavras.