domingo, setembro 09, 2007

Mar de Setembro

"Sabes, quem não acredita em Deus, acredita nestas coisas, que tem como evidentes. Acredita na eternidade das pedras e não na dos sentimentos; acredita na integridade da água, do vento, das estrelas. Eu acredito na continuidade das coisas que amamos, acredito que para sempre ouviremos o som da água no rio onde tantas vezes mergulhámos a cara, para sempre passaremos pela sombra da árvore onde tantas vezes parámos, para sempre seremos a brisa que entra e passeia pela casa, para sempre deslizaremos através do silêncio das noites quietas em que tantas vezes olhámos o céu e interrogámos o seu sentido. Nisto eu acredito: na veemência destas coisas sem princípio nem fim, na verdade dos sentimentos nunca traídos.

E a tua voz ouço-a agora, vinda de longe, como o som do mar imaginado dentro de um búzio. Vejo-te através da espuma quebrada na areia das praias, num mar de Setembro, com cheiro a algas e a iodo. E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas ilusões de que tudo podia ser meu para sempre."

Miguel Sousa Tavares in Eternamente, texto integrado no livro Não te deixarei morrer, David Crockett.

3 comentários:

Carminho disse...

Já conhecia este excerto mas é daqueles textos que lemos, relemos, voltamos a ler e pensamos sempre como é um milagre/ dádiva alguém escrever assim...

Anónimo disse...

Carminho lembras-te da grande discussão filosófica que tivemos à volta do acreditar na continuidade das coisas que amamos?? Hihihii o quanto não andamos à avolta disto!! Fizemos muito tricot com estes novelos de palavras.....
:-)

Carminho disse...

Se lembro...na altura eras mais teimosa. Eu bem te dizia... ;)