sexta-feira, julho 04, 2008

CHITWAN, O ÚLTIMO REDUTO DA SELVA ASIÁTICA

‘’In the jungle, the mighty jungle, the lion sleeps tonight’’… poderia muito bem ser a música de fundo para esta verdadeira aventura que agora, vista à distância, nos enche de orgulho.
O Parque Nacional de Chitwan é um dos últimos redutos de selva asiática, rico em fauna e flora, albergando animais tão mortíferos como o tigre de Bengala e … o mosquito. Para lá chegarmos, atravessamos as montanhas numa 4x4 numa viagem que durou 7 horas, apesar dos apenas 192 Km de Kathmandu até Chitwan. Sair de Kathmandu foi um verdadeiro suplico, porque uma grua a meio da estrada conseguiu paralisar o trânsito e deter-nos numa fila durante tempos infinitos. Sob um imenso calor e um cheiro nauseabundo a gasóleo que transportávamos connosco em bidões para acudir algum imprevisto, o enjoo e o vómito e o constrangimento foram inevitáveis.
A marcha lenta serviu, no entanto, para uma melhor apreensão das realidades. À medida que saímos do centro urbano, vamo-nos apercebendo da pobreza com que vivem as gentes nos subúrbios. Algumas Habitam barracas em madeira, de pequenas dimensões, para as quais se consegue espreitar ainda que não se quisesse. Os artesãos de beira de estrada também são muitos. Uns costuram em máquinas do tempo das nossas avós, a cair de velhas mas que lá funcionam, outros trabalham as madeiras, outros têm pequenos comércios. Por nós passam imensas carrinhas que transportam as crianças para as escolas. Os School Buses parecem retirados do contexto britânico e caídos ali naquela realidade rural, de uma forma desconcertante!
Vestidos a rigor, com impecáveis uniformes, as crianças acenam-nos e sorriem. Parecem felizes as crianças. Ficamos com uma sensação generalizada de que são crianças amadas verdadeiramente e a maior prova disso será de facto o alto índice de escolaridade. Apesar da pobreza, os nepaleses apostam na educação das suas crianças. Todas aprendem o inglês, obrigatoriamente, o que também revela uma mente aberta para o mundo. Passamos por montanhas, rasgadas por fantásticas cascatas. Lá em baixo, o rio acompanhava-nos na viagem. De vez em quando, lá avistávamos grupos a fazer rafting e imaginávamos o quão fantástico deveria ser deixar-se levar pela corrente rodeado daquele cenário explosivo de verde esperança e de azul celeste!
Estrada afora, passamos por umas boas dezenas de camiões. Os condutores são verdadeiramente loucos: ultrapassam-nos nas curvas, andam a velocidades inimagináveis! Impróprio para cardíacos! Descrever um camião destes é uma tarefa ingrata, porque são completamente diferente de tudo aquilo que já vimos: apesar de degradados, estão completamente enfeitados como verdadeiras árvores de natal ambulantes! Geralmente sem portas laterais, espreitamos que os condutores são miúdos com pouco mais de dezasseis anos. Cintos de segurança? Esqueçam … isso é coisa que não existe e que serve de feitio...
Nesta e nas restantes viagens fomos conduzidos por um simpático nepalês do qual nunca víriamos a saber o nome. Por mais vergonhoso que isso possa parecer, a explicação é simples. O homem percebia mal o inglês. Quando lhe perguntamos: ‘’ What’s your name?’’, ele respondeu-nos com um ‘’ name river Kaliri…’’ e apontou para o rio. Olhamos um para o outro e recostamo-nos no banco resignados com a resposta. A partir desse momento, baptizamo-lo com o nome Yeti (que era o nome da agência de viagens local ‘’Yeti travels’’).
A meio do destino final, o Yeti pára e informa-nos (num inglês muito esforçado) que iremos ter uma nova companheira de viagem: ‘’ my sister’’. Sorrimos e uma senhora com pouco mais de metro e meio, morena, vestida com umas roupas coloridas a evocar o sari indiano, saúda-nos com um ‘’Nameste!’’ e entra rapidamente no banco da frente. Ao longo da viagem, fala, fala, fala como se não houvesse amanhã! Não percebemos o que diz, mas entretemos a olhá-la e a sorrir. Yeti, compenetrado na estrada não abria a boca, nem tão pouco acenava ou dizia ‘’hum-hum’’…Ouvia o que a irmã lhe dizia …
Pelo caminho, começamos a duvidar do grau de parentesco entre ambos e começamos a tecer histórias acerca daquele casal tão caricato. Provavelmente, não seria irmã, mas uma amiga especial, a quem Yeti proporcionava uns dias diferentes, ao mesmo tempo que garantia companhia para os 4 dias em que ficaria à nossa espera para depois nos trazer de volta a Kathmandu. E se assim fosse, tudo muito bem!
E eis-nos então chegados ao Park de Chitwan! Contrastando com as montanhas, é uma área de fácil acessibilidade por comparação com as montanhas do resto do país, de terras férteis, com abundância de água e um clima húmido e subtropical, onde abundam os arrozais. O jipe atravessou o Park e, expectantes, olhávamos em volta, na ânsia de avistar os bungalows.
Até que o carro pára junto à margem do rio e começamos a aperceber-nos da realidade. Teríamos que atravessar o rio. À nossa espera, uma canoa e dois homens esperavam-nos. As canoas, em madeira, pareciam a coisa mais insegura do mundo, perante o colossal rio e a forte corrente. Os primeiros risos de medo miudinho começaram a surgir. Yeti, sorridente, passou-nos a mochila e acenou-nos com um ‘’Bye-bye’’.
Sem escolha, entramos na canoa. Já na outra margem, mais uma surpresa nos esperava. Um elefante seria o nosso meio de transporte até ao Lodge. O coração acelera um pouco ao empoleirarmo-nos no desconforto do dorso de um elefante. E lá começamos viagem. O condutor do elefante não fala connosco durante todo o percurso, provavelmente porque não sabe falar inglês. Ao fim dos primeiros dez minutos, começamos a interrogar-nos para onde nos leva, porque no horizonte não se avista nenhuma construção, apenas floresta. O nervoso começa a aumentar. Vinte minutos, e estamos já dentro da selva, o homem pára e aponta para o lado. Ali, pertíssimo, avistamos o primeiro de muitos rinocerontes. A sensação é espanto, mas também de algum receio. Afinal, estávamos ali tão perto de um gigante da selva! Mas logo sossegamos, porque comparativamente ao nosso elefante, o pobre do rinoceronte saía a perder. O condutor segue armado com um pau. Na parte de trás das orelhas do elefante, indica-lhe o caminho a seguir com os pés, tal e qual como se fossem pedais de um automóvel. Para virar à esquerda, um toque na orelha com o pé esquerdo, para marcha atrás, um toque de leve com o calcanhar. Cansados da viagem e atarantados com a viagem inesperada pela selva afora, começamos a vislumbrar, passada quase uma hora (!) umas cabanas. A primeira impressão é desoladora: cabanas de madeira, velhas, com aspecto de ruírem. Esperamos para ver mais, já com uma enorme impaciência e com vontade de ir a pé! Andar em cima de um elefante é um excelente método de relaxamento forçado, porque o animal anda de forma tão lenta, tão lenta que das duas uma: ou nos acalmamos e entramos no ritmo ligeiro dele, apreciando a paisagem e deixando a mente divagar; ou então, ficamos frenéticos e impacientes e só queremos é dali saltar e isso estava fora de questão porque estávamos na selva…
E eis-nos chegados (finalmente!) ao Temple Tiger Lodge! Uma grande recepção!? Nem por isso. Esperava-nos um homem, de aspecto rude e a lembrar um índio da amazónia, com cabelo negro cortado à tigela. Ele e os demais trabalhadores do Lodge usavam roupas verde tropa e todo o cenário de resto nos faria lembrar um acampamento militar.
Enquanto nos conduz para o centro do lodge, que serviria de ponto de encontro para as actividades, reparamos nos bungalows. Nada ali, ao contrário do que esperávamos, parece ter grandes luxos, bem pelo contrário. Mudos, seguimos o homem que segue também ele calado.
Chegados ao centro, manda-nos sentar e começa a discursar começando por dizer que Ali, na Selva há regras e que as regras têm que ser cumpridas. Tem sido assim e assim se têm dado bem.
Arqueamos as sobrancelhas e escutamos as regras: 1) levantar às 05h30 para tomar pequeno-almoço às 06h e depois sair para as actividades. 2) No electricity (aqui o espanto é total e os olhos arregalam-se inevitavelmente!), existindo porém um gerador que funcionaria das 05h30 às 07h da manhã e das 19h30 às 22h00. O mesmo se aplicaria à água quente, sendo que a água seria proveniente dos reservatórios. O resto que se seguiu já pouco interessava que a mente só se detinha naqueles dois dados iniciais, dos quais tínhamos perfeito desconhecimento. ‘’Afinal isto tem 4 estrelas, valha-me Deus!’’.
Fomos conduzidos ao bungalow 120 por um rapaz novo. Aliás aquilo parecia mesmo a tropa, porque os rapazes eram todos novos e o (como lhe víriamos a chamar) ‘’General’’ das ‘’regras’’ era o mais velho e o ‘’manda-chuva’’ dali. Mulheres? Nem vê-las … Só ali trabalhavam homens.
Os bungalows eram muito modestos. Feitos de madeira e com tectos em colmo, tinham um quarto e um quarto de banho. No quarto, uma cama, uma ventoinha que teria pouca ou nenhuma utilidade (dado que como não havia electricidade, só funcionaria nos períodos em que o gerador estaria ligado) e uma cadeira. O mais básico possível. Aproveitamos para descansar um pouco e tentar-nos convencer que, ao contrário do que esperávamos até por comparação com Lodges Sul-Africanos, ali teríamos de fazer um esforço para viver com bem menos condições do que aquelas a que estávamos habituados.
Às cinco em ponto, obedecendo ao General, estávamos no ponto de encontro para o primeiro safari de elefante. Nós e o único hóspede para além de nós. Três gatos pingados, portanto. Partimos em dois elefantes, mais mortos do que vivos devido à viagem anterior e à quase uma hora de elefante que ainda sentíamos no corpo. Mas lá fomos, com espírito e mentes abertas e optimistas de que valeria a pena. A rigorosamente 2,5 Km/h lá íamos 4 montados no elefante: nós, o condutor e o guia (o General) lá íamos. Entre árvores e solos lamacentos, nada parecia ser impedimento para o elefante. Um verdadeiro todo-o-terreno! O céu começava a fechar e ameaçava chover, mas lá prosseguíamos. Começamos então a encontrar-nos com rinocerontes e macacos que pareciam resmungar entre si. Já o tigre, apesar de habitar por aquelas bandas foi o rei da ilusão, verdadeiro mágico que se deixa ouvir, mas raramente ver (e ainda bem, digo eu).
Ao percorrer os trilhos desta floresta densa, focamo-nos apenas na extraordinária beleza da luz que trespassa as árvores, na delicadeza das aves brancas que se empoleiram em ramos secos, na banda sonora de trinados e restolhadas que nos rodeia. De vez em quando um veado pára numa clareira, tão surpreendido como nós, antes de seguir caminho com ar arrogante. Macacos insultam-se nas árvores, e gigantescas teias de aranha, ainda salpicadas de orvalho, lembram colares de rainhas egípcias. Atravessamos “pontes” de troncos caídos.
Patelas de bosta de elefante secam no chão e neles começam a nascer cogumelos!
O sol cai como uma bola vermelha e volta a aparecer igualzinho de madrugada, embrulhado num nevoeiro húmido que faz as árvores pingarem como se tivesse chovido. Tempo de regressar ao Lodge. O primeiro dia fora estafante.
Antes do jantar, travamos conhecimento com o nosso vizinho de bungalow, um british nascido na índia, que trabalhava numa agência de viagens inglesa e que estava ali para avaliar se o Temple Tiger era digno ou não de integrar um roteiro de viagem pelo Nepal que a agência pensava em comercializar. Um tipo simpático. Não houve muito tempo para conversas, dado que estávamos todos exaustos e famintos!
O primeiro duche foi … diferente. Uma aranha de dimensões consideráveis esperava-nos no chuveiro e foi-lhe pedido para se retirar. Como não atendeu ao pedido, não restou alternativa se não enviá-la para o outro mundo. Apenas com um amaciador disponível, porque o Shampoo havia ficado na mala em Kathmandu convictos que o Lodge das 4 estrelas (?!) teria Shampoo e as restantes papariquices que os Hoteis costumam ter, lá nos desembaraçamos.
O jantar foi inesperadamente saboroso! Uma Chicken Cury: pedaços de galinha temperados com caril, acompanhados de arroz branco e legumes salteados. Muito bom. Para sobremesa, saboreamos um pudim inesperadamente parecido com os nossos.
O dia ia já longo e o merecido descanso estava próximo. Antes, tempo para inspeccionar se havia mosquitos no quarto e para torcer o nariz perante os lençóis poídos e mofentos.
O gerador desligou e a noite caiu no bungalow. Tempo para descansar que o dia iria começar bem cedo às cinco e meia da manhã. Lá fora, a selva não dormia e dava o seu concerto nocturno…

1 comentário:

Filipa disse...

Pelo que percebi não fui a única pessoa a vomitar na lua-de-mel :) Ou estarei enganada?

Beijinhos.

Filipa