O céu hoje está nublado, tão nublado que quando olhamos para cima ficamos com a sensação de que um grande toldo cinzento escuro invadiu o nosso dia.
Não tardará a chover – penso eu. Logo hoje que estou sem guarda-chuva, com pouca roupa. Frio não tenho, mas sinto-me absolutamente desenquadrada.
Estava bem era para estar numa praça cheia de gaivotas a cruzar um límpido céu azul, eu para aqui cheia de cores neste cenário escuro e melancólico.
Caminho alguns kilómetros por dia, para além de me sentir bem ao fazê-lo pelo bem estar físico, é sempre um estímulo à reflexão. Vou tantas vezes metida comigo mesmo que já apanhei uns sustos valentes! No outro dia, ia a pensar na vida e quase que um carro me atropela!
É, sou um pouco despassarada, dizem-me. Mas a culpa não é minha, são estas ideias e pensamentos que teimam em invadir a mente a todo o instante. Tantas coisas para fazer, tantos projectos para pôr em prática, para trabalhar, para tentar arrancar de dentro de mim e dar vida! Às vezes, zangam-se comigo porque eu não sou a ‘’todo ouvidos’’ que gostavam que fosse, porque não ouço as conversas sem me perder um pouco do que me dizem,..., peço desculpa.
Já cheguei a cogitar que o facto de caminhar tanto faz com que o meu cérebro se oxigene em demasia, despoletando esta actividade desmedida... Mas acho que vou guardar esse pensamento para mim mesma antes que se zanguem comigo por isso também.
Só sei que tento encarar o dia com um sorriso, senão para que me valeria a pena me levantar?
Ao longo das minhas caminhadas, acontece por vezes, ouvir as múltiplas vozes das pessoas que entram, saem e das que também sempre nela permaneceram. Todas elas sempre me disseram coisas sobre mim, sobre como me vêem, sobre como sou.
E acho que sempre nisso as escutei, porque seria impossível recordar o que me disseram. Neste ponto, não devo desculpas a ninguém, escutei com atenção.
Algumas dessas vozes são maviosas: dizem-me que sou uma pessoa de carácter, boa pessoa, com um coração (assim o dizem) puro, que sou talentosa e que tenho o mundo pela frente. Dizem-me para não ter medo, para continuar a lutar porque obterei o que mereço e quero nesta vida.
Outras vozes não são tão ‘’amáveis’’, usam tons agressivos e, por vezes, carregadas de sentimentos hostis e outras ainda, de repulsa, eu sei lá!! São vozes que me magoam, que me atiram coisas más à cara, sem dó nem piedade! Gritam-me que sou egoísta, que uso e abuso das pessoas, que sou manipuladora, infantil, impulsiva, neurótica e que sugo as pessoas a meu bel-prazer!
Grito-lhes que não e não! Que isso não é verdade, que por vezes, sim, mas por outras não e que seria incapaz de fazer mal a alguém de forma intencional! E aí mudam para um tom arrogante, olham-me com desprezo. Sinto-me diminuída, minúscula.
Fico muda, queria que não pensassem isso de mim, que não me olhassem com rancor.
Perco as forças para me defender.
Depois há ainda as vozes sedutoras, as que me mimam, que me enredam e que me deixam presa. Que me prometem mundos e fundos, que me fazem planar sobre as nuvens, que me fazem voar e sentir-me tão feliz, como se fosse explodir de tanta felicidade! Que me fazem pensar que sou e pessoa mais sortuda que existe. As que me sussurram palavras doces e me embalam nos braços até...
... até ao dia em que mudam completamente!
Afastam-se de mim, deixam de me procurar, de me falar! e quando me falam, nao me olham com o mesmo olhar de outrora. O seu olhar é frio, distante, despido de afectos. Como se me tivesse tornado desconhecida.
Procuro saber o motivo da súbita mudança! Fico desesperada à procura de uma resposta. Onde terei falhado? Não terei dado o meu melhor? Terei recebido mais do que dei? terei dado sequer? Entro numa espiral de pensamentos sem respostas, que de dia para dia me agoniam, me tornam frágil, me fazem sentir uma falhada, uma pessoa insignificante que não consegue manter as pessoas muito tempo perto de si.
Eu preciso de afecto! Eu preciso de mimo! Grito mas já não me escutam.
Resta-me pedir desculpas, talvez, mas não sei bem de quê, ou a quem.
Desculpas por estar cá, por ser alegre, por gostar de mim, por ser quem sou. Uma pessoa com defeitos e qualidades. Apego-me às vozes que me fazem sentir bem, às vozes que me dizem que eu tenho carácter, que sou digna de gostarem de mim.
Mas faz sentido eu pedir desculpas? Não me sinto culpada, apenas triste.
Estou sob um céu carregado de nuvens mas eu sinto a alma leve de qualquer mágoa, rancor ou ressentimento. Carrego a leveza de saber dentro de mim que não sou ‘’má’’, que não sou perfeita, mas que não ando por aí a magoar, nem a humilhar ninguém.
Sou pelo Amor, pela honestidade, pela verdade, pelo carinho.
Sim, o céu está hoje carregado, mas eu sinto-me leve e sorrio.
Assim como sei que as nuvens e a tempestade irão passar, também eu terei dias cheios de sol e ao lado das vozes que me aquecem a alma e que verdadeiramente merecem fazer parte da minha vida...
Até lá, caminharei à mesma mas abrigadinha da chuva...
1 comentário:
Fabuloso
Retrato absolutamente perfeito
Enviar um comentário