Estou velha. Quem o diz não sou eu, mas sim a minha sobrinha de doze anos que, com a docilidade (?!) típica da adolescência mo informa.
Tudo aconteceu a meio de uma refeição entre família e de tal forma imprevista e abrupta que quase me engasguei com o pedaço de pão que tinha na boca. Foram precisos bastantes copos de água para fazer passar não o pão, mas sim o nó de estupefacção com que fiquei pela goela abaixo.
Vamos por partes. Na sequência de uma cena típica de negociação parental em que o tema é idade suficiente para sair à noite só com as amigas e uma vez que não se chegava a um número consensual, eu, tia preocupada com o bem-estar emocional das pequenas (embora agora um pouco já algo para o crescidas) resolvi intervir e prontificar-me para mediar a integração no meio nocturno, com peso e medida. Basicamente disse:
‘’Se não queres ir com os pais, porque até compreendo que tenhas vergonha e tal, podes ir comigo, hã? Fingimos que somos irmãs, hein? Boa?’’ – propus com a melhor das intenções e com o pretensiosismo desmedido típico da tia ‘’porreiraça’’.
Do outro lado, um redondo ‘’Não quero’’.
‘’Como assim não queres?’’ – questionei, espantada mas ainda descontraída.
‘’Contigo não quero ir! É a mesma coisa que ir com os meus pais, olha!’’ – a diabrete atirou.
Olhando em redor, perante pais, avós, irmã mais nova e bebé incluído, e vendo que escutavam atentamente o diálogo em silêncio e aguardando pela minha resposta, balbuciei:
‘’Por acaso não estás a dizer … ha, hum …. que sou …. velha demais … para ir contigo sair?
Do outro lado, o disparo fatal.
‘’Sim, és’’
Este ‘’Sim, és.’’ foi dito com a despreocupação típica de quem come batatas fritas molhadas em gema de ovo, sem sequer parar para olhar-me nos olhos.
Vinda do meu lado esquerdo, como se não bastasse, ainda recebi uma cotovelada do meu esposo que, em plena violação aos votos matrimoniais e passo a citar ‘’…. na saúde, na doença, na vez em que constatas que estás a envelhecer, etc …’’, me diz:
‘’Pimba, toma! Quiseste armar-te e agora ouviste o que não querias!’’
Fiquei muda. Os olhos fixaram um ponto naquela mesa e nem sequer tive coragem de olhar as pessoas que estavam à mesa que, para disfarçar começaram a fazer barulho com os talheres e a falar coisas sem sentido com a bebé.
Na minha mente, bailavam afirmações cruzadas, vozes de indignação, de interrogação, de espanto:
‘’ Como é que é possível? Eu só vou fazer trinta anos, mas até nem pareço nada! As pessoas nunca me dão a minha idade, dizem sempre que pareço ter muito menos!! Será que estou a ficar com rugas? São as brancas, de certeza, estas malditas brancas que dão ar de velha! Buuuuuáááááááááa´!!!’’
Foi o fim da picada. A partir daí, penalizações nas prendas de Natal, aniversário e Páscoa seriam garantidas. A tia jovem e mãos-largas iria dar lugar à tia cota e forreta.
No calor da emoção, essa foi a sentença imediata para aquele tiro à queima roupa.
Em minha defesa, após ponderação, digo o seguinte:
Posso não estar preparada para mais nada nesta vida mas sei que: para mudar fraldas, aquecer biberões, apaziguar choros ou proferir baboseiras monossilábicas e sem sentido (e em voz alta !!) estou amplamente qualificada. Há doze anos atrás, esta mesma sobrinha que hoje me qualifica como ‘’fora do prazo de validade’’ não se importava nada com a minha idade. Para ela, o importante é que eu lhe garantisse o rabinho enxuto, o biberão na temperatura ideal e a horas condizentes com o seu relógio interno e, de preferência, colinho quentinho na hora de dormir.
Aliás, minto. O colo não era só na hora de dormir. Na fase dos seis meses, iniciou-se uma obsessão doentia de percorrer todos os cantos da casa. Como ainda não caminhava cabia-me a mim a função de garantir o transporte. Pois se existem os sightseeing bus., eu era para ela uma espécie de sightseeing arm. E posso jurar pela minha morte que aquele peso bruto alapado no meu braço esquerdo horas seguidas de indicador em riste a apontar o caminho por onde queria ir, contribuiu decisivamente para a minha desgraça lombar. Pondero, inclusivamente, atribuir aos colos excessivos o desnivelamento dos meus ombros. Ah pois é!
Estas crianças de hoje em dia são umas ingratas, umas egoístas, umas, umas jovens … eu sei lá!
E eu? E eu, hã?
Eu ... derreto-me com o olhar terno delas, com sorriso delas, com o abraço delas, com as ‘’graxas’’ delas para as levar ao cinema e a comer porcarias que os pais proíbem …
Persisto no erro e continuo a amá-las incondicionalmente. Tenha trinta, quarenta, cem anos.
E nada pode reverter essa situação.
Porque as crianças não mentem e ela não mentiu.
Apenas me relembrou que, com a idade dela, também sonhava com o dia em que podia ir à discoteca só com os meus amigos!! E, já na altura – e a memória não me falha – os tios, por mais que os adorasse, não estavam incluídos nessa saída!
1 comentário:
Olha, temos pena!!! :)
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