“A culpa das minhas desgraças é toda da Chole. Digam o que disserem, o Apolonio está inocente. O que se passa é que ninguém o compreende. Se de vez em quando me batia, era porque eu o fazia perder a cabeça e não porque ele fosse má pessoa. Ele sempre gostou de mim. À sua maneira, mas gostou. Ninguém consegue convencer-me do contrário. Se tanto batalhou para que eu aceitasse a sua amante, era porque gostava de mim. Não tinha necessidade nenhuma de me ter dito. Podia muito bem mantê-la às escondidas, mas disse que teve medo que eu viesse a saber das suas escapadelas e o deixasse. Não suportava a ideia de me perder, porque eu era a única que o compreendia. As minhas vizinhas podiam dizer o que quisessem, mas vamos lá ver: de entre os maridos delas, quantos lhes falam do monte de amantes que têm por aí? Nenhum! Claro que não; o único que é honesto é o meu Apolonio. O único que olha por mim. O único que se preocupa comigo. Com isto da SIDA, é muito perigoso os maridos andarem por aí com umas e outras, e por isso, em vez de andar com muitas, ele decidiu sacrificar-se e ter só uma amante fixa. Assim, eu não me arriscava a contrair a doença. Isto é amor e não conversa fiada! Mas elas entendem lá estas coisas!
(...)
O que se passava era que ele precisava de aproveitar os seus últimos anos de macho activo, porque daí a pouco já não ia ter oportunidade. Perguntei-lhe por que não os aproveitava comigo, e ele explicou-se e tornou a explicar, até que eu entendi que não podia, que esse é um dos problemas dos homens que as mulheres não conseguem entender. Deitar-se comigo não tinha graça nenhuma, eu era a mulher dele e tinha-me sempre que quisesse. O que lhe fazia falta era provar a si mesmo que era capaz de conquistar as raparigas novas. Se não o fizesse, ia ficar traumatizado, cheio de complexos e, aí sim, já nem comigo ia poder cumprir. Isto sim, isto assustou-me.
Finalmente, disse-lhe que estva bem, que aceitava que tivesse uma amante. Então ele levou-me à Adela para eu falar com ela, porque a Adelita, (...), sentia-se muito envergonhada e queria ouvir da minha própria boca que eu lhe dava licença para ser amante do Apolonio.
(...)
Quando sabia que o Apolonio estava com a Adela, não conseguia dormir. Passava a noite inteirinha a imaginar o que estariam a fazer. Bom, não era preciso muita imaginação para saber. Sabia e pronto. E não podia deixar de me sentir atormentada. E o pior é que tinha de fingir que estava a dormir, para não aborrecer o meu Apo.
(...)
Eu não tinha motivos para me preocupar. Devia era andar mais feliz do que nunca, e só Deus sabe por que razão não andava! Além disso já me começavam a meter nojo as pulhices daquele filho da mãe. Era preciso muito estômago para o ver comprar à Adela coisas que a mim nunca tinha comprado. Ver que a levava a dançar, quando a mim nunca me tinha levado. Sim, nem no dia dos meus anos, quando a Célia Cruz deu um espectáculo e lhe supliquei que me levasse! A minha raiva era tanta (...) , e foi então que a Chole me disse que o melhor remédio para casos como o meu era deitar uma boa porção de boldo num litro de tequilha e tomar um copinho em jejum. Meu dito meu feito, (...). Na manhã seguinte tomei um copo e funcionou às mil maravilhas.
Não só fiquei mais aliviada por dentro, como também me senti alegre e feliz como há muito tempo não me sentia. Os dias foram passando e os efeitos do remédio deixaram-me muito melhor. Mas o apolonio, ao ver-me assim, tão sorridente e tranquila, começou a sair cada vez mais com a Adela, e eu vá de tomar mais um copinho cada vez que isso acontecia, estivesse ou não em jejum, para a bílis não me fazer mal.
(...)
No dia em que o Don Pedro me disse que já não me podia far nem mais uma garrafa, pensei que ia morrer. Não conseguia passar um dia que fosse sem a minha tequilha. (...) E ele, ao ver-me assim tão desesperada, compadeceu-se de mim e aceitou que lhe pagasse de outra forma. Afinal o danado tinha andado sempre de olho em mim. E eu, para dizer a verdade, com tanto calor no corpo, também estava cheia de vontade. E foi assim, em cima do balcão, que o Apolonio nos encontrou dando rédea solta às nossas ganas.
O Apolonio deixou-me por ser uma bêbeda e uma puta. Agora vive com a Adela. E eu fui atirada para uma vida de perdição. E tudo por causa da intrometida da Chole e dos seus remédios!”
In Íntimas suculências de Laura Esquivel
Ora aqui entre nós isto é no que dá quando vivemos a vida em função de outros e achamos que estamos a fazer o melhor possível! E afinal não estamos.
2 comentários:
;)
Cara amiga,
Eu fiz-lhe foi um grande favor.
Como saberá, se se encontrar sóbria neste momento,o boldo é a erva da paz. Ele é óptimo para os ansiosos, que se culpam muito, que não conseguem dormir a pensar nos problemas do dia seguinte, ou no seu caso, a pensar nos actos de adultério dos seus pseudomaridos.
A parte da tequilha não era para ter sido levada tanto à séria...Na verdade, estava tão somente a puxar os cordelitos a favor do Don Pedro, esse sim, um homem de qualidade e com um bom pé-de-meia. Pensara eu, ingenuamente, que um copinho a libertaria e a faria estar mais à vontade com o Don Pedro. Mas nada mais. O resto do tratamento seria dado pelo próprio Don Pedro, através de umas massagens e afins. Agora a menina diz-me que se emborrachou toda dias a fio, ainda por cima Às custas do pobre Don Pedro ... Se o seu marido a viu, ainda bem para si!! Olhe, livrou-se de boa!
A menina tem é que botar juizinho!
Eu cá fiz-lhe foi um grande favor!!
Mas cá entre nós, se quer um conselho, pra próxima fique-se pelo bolbozito ...
Há outras suculências na vida que anda a desperdiçar ;) e o Don Pedro que lhas diga!
Fique bem.
Chole (que se lê chulé mas não cheira nada mal!)
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