Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.
FERNANDO PESSOA (1888 - 1935)
1 comentário:
Quando estudei Fernando Pessoa no secundário senti-me uma ignorante, porque não percebia o que ele queria dizer... a professora explicava, eu esforçava-me, mas não ia lá. Decorava os apontamentos, chegava aos testes e era ver-me a debitar a matéria.
Agora percebo porquê. Não tinha maturidade nem experiências de vida suficientes para entender tão complexo(s) ser(es).
Hoje sou eu que estou do outro lado e tento mostrar aos meus alunos que com o tempo irão entender tão belos textos e talvez identificar-se com tão belas palavras.
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