sábado, fevereiro 17, 2007

Emptiness


Onde estás?

Para onde foste?

Quando partiste?

Não me lembro.

O teu rosto desvanece aos poucos. Todo o teu ser vai desaparecendo da minha memória. Lembro-me que tinhas um corpo lindo, quase perfeito. Alto, muito moreno, pestanas compridas e espessas e uns enormes olhos do mais banal castanho.

Pegavas em mim ao colo na cozinha e fazias-me rodopiar. Eu tremia com medo de cair ao chão. Uma psicose qualquer que nunca ultrapassei, nem mesmo com os teus insistentes e reconfortantes sussuros no meu ouvido: “Eu nunca te deixaria cair!”

Quando é que tudo acabou??

Olho a janela. Nunca mais parou de chover desde que percebi que já não estavas ao meu lado.

Não sei onde estás.

Não sei para onde foste.

Desapareceste simplesmente.

Penso que deveria estar tão envolvia nas minhas neuroses que não me apercebi do desenlace desta história. Ou então bloqueei esses acontecimentos da minha memória. É possível. Quando a minha irmã Cristina morreu, com apenas 14 meses, eu uma menina de 7 anos curiosa, vivaça e cheia de energia, apaguei de tal forma aquele acontecimento da minha vida que para mim era como se a minha irmã nunca tivesse existido. Nunca mais falei dela. No dia em que se passavam 10 anos sobre a morte de Cristina entrei na cozinha onde a minha mãe preparava o assado de domingo e disse: “Mãe vou levar uma rosa a Cristina!”. A minha mãe quase desfaleceu de susto. Durante 10 anos eu não tinha manifestado qualquer sinal de me lembrar da minha irmã. Nenhum. E agora estava frente a ela vestida com a minha roupa de domingo, com uma rosa branca na mão e a dizer que ia visitar Cristina. A minha mãe deu-me um beijo molhado de lágrimas e voltou ao assado. Percebeu que era um caminho que eu teria de percorrer sozinha.

Quanto tempo demorarei agora para me relembrar do que se passou?

Angústia-me esta névoa. Ao inicio era apenas uma nuvem sobre os últimos instantes ou momentos ou dias da nossa vida em conjunto. Não sei bem medir o fim, porque simplesmente não me lembro. Depois os dias foram passando e a nuvem multiplicou-se, cresceu e foi cobrindo a memória que eu guardava de ti, de nós.

Ás vezes dou por mim a pensar se não teria sido melhor bloquear-te de vez como fiz com Cristina. Mas depois fecho os olhos e lembro-me do sabor dos teus beijos. Como eu adorava os teus beijos. Acho que era o que eu mais gostava. Claro que adorava fazer amor contigo, abraçar-te forte e enrolar as minhas pernas nas tuas, mas os nossos beijos eram deliciosos. O sabor da tua boca. Dava-te o primeiro e já não conseguia parar. Por vezes evitava beijar-te pois sabia que is ser tão dificil parar.

Mas na maior parte do tempo penso mesmo que seria melhor esquecer-te de vez. Já não passas de um rosto desvanecido na minha memória, ao qual associo a lembrança de doces beijos e alguns momentos que também vou esquecendo. Por vezes esforço-me por esquecer partes da nossa história, pois parece-me que a memória se gasta com o uso. Talvez tenha sido isso que aconteceu. Terei eu invocado tanto aquele momento final que o desgastei e ele se desvaneceu-se na minha memória? Confesso que me aborrece não perceber o que se passou. Viver nesta incerteza.

O que te aconteceu?

Onde estás?

Que me disseste antes de desaparecer?

Para eu esperar por ti?

Para te apagar da minha vida?

Estou a obedecer ao que me pediste ou não?

Pediste-me algo?

Estou completamente perdida neste quarto grande demais para mim. Era o nosso quarto. Sim, lembro-me como o decoramos juntos. Estava horrorosamente mobilidado quando nos mudamos. Depois da mudança para o novo apartamento passámos os primeiros sábados perdidos em mercados e lojas de decoração. Foi delicioso ir decorando o nosso quarto aos poucos, devagarinho como quem constrói algo que nunca foi feito. Mas já nada faz sentido nesta decoração à minha volta. Tu não estás aqui neste espaço que não é meu, pois era nosso.

Que faço?

Deito tudo fora? Porque talvez não voltes nunca. Talvez mo tenhas dito, num derradeiro berro com que te despediste de mim nessa brutal discussão.

Guardo tudo para quando voltares? Vais voltar? Talvez tenha sido isso que me sussuraste ao ouvido nessa última conversa.

Ou saio daqui e deixo tudo para trás? Sem destino parto. Se me amares e voltares para me procurar, empreenderás todos os esforços para me encontrar. O amor é assim. Li algures.

Não sei que faça.....

Acho que vou dormir e penso nisso mais tarde. Talvez me lembre de ti um pouco menos. Talvez não. Confesso que não aguento muito mais isto. Vou tomar um comprimido e dormir. Ao menos aí os teus fantasmas não me magoam tanto.

Ou será que isto é que é um sonho e esta é que é a dor real?

2 comentários:

Ivana disse...

Às vezes chego a dar por mim a desejar não teres esse dom assim avassalador de atirar as palavras para o papel com tanta verdade... Mas depois fico sempre à espera de mais.
As palavras são de pedra, não era o que dizia Virgilio?

Carminho disse...

Blocos de pedra que a nossa Maria esculpe na perfeição: as palavras.

Obrigada por mais esta viagem proporcionada através das tuas palavras. Ler-te é sempre um prazer, amiga.

Como uma eterna romântica que acredita no destino e no trilho da felicidade, diria que esta personagem vai um dia conseguir encaixar esta experiência na sua vida. Como no outro dia falava com uma dear friend of mine, quase tudo na vida depende da nossa capacidade de 'encaixe' dos acontecimentos na nossa vida; esta vida que seria comparável a uma enorme cómoda! ;)
Assim sendo, quando estás bem, és capaz de compreender e dar sentido a tudo de bom e de mau pelo que passaste na vida. Sabes que se sofreste num dado momento, isso foi importante de algum modo para que no presente fosses dessa ou de determinada maneira...
O problema é quando estás mal...aí não consegues engavetar nada, nada faz sentido, tudo é dor, tudo é uma enorme vontade de sair do fundo daquela imensa e profunda gaveta...

Mas eu acredito que o fundo da gaveta não dura para sempre. A noite e o dia sempre co-existirão, assim como a tristeza e a felicidade nos nossos dias de existência